Ainda não estou refeita do choque sofrido com as notícias sobre o conteúdo de livro aprovado pelo MEC - Ministério da Educação, do qual consta autorização expressa para que os alunos falem "Nós pega o peixe", "Os livro mais interessante estão emprestado" e por aí vai. Essa linguagem, dita coloquial, não poderia ser classificada de "certa" ou "errada", mas de "adequada" ou "inadequada".
Não, MEC e autores do livro, definitivamente isso não é certo e nem adequado. Vocês estão cometendo um crime com os nossos jovens, prestando um desserviço à educação já deficientíssima do país e desperdiçando dinheiro público com material que emburrece em vez de instruir.
Essa conduta não-cidadã é inadmissível, inconcebível e, certamente, sofrerá ações do Ministério Público.
Abaixo, selecionei três notícias. Um artigo de Carlos Alberto Sardenberg, uma entrevista com uma das autoras do livro, defendendo esse tipo de educação aos jovens e uma entrevista com o Ministro da Educação, Fernando Haddad. A jornalista perdeu a oportunidade, propositadamente ou não, de questioná-lo sobre esse grave acontecimento, preferindo concentrar-se na possível candidatura do ministro para a Prefeitura de São Paulo em 2012.
Roger Moreira (Ultraje a Rigor) tem razão. Inúteu. A gente somos inúteu.
Se pelo menos ensinassem Português
Carlos Alberto Sardenberg - O Estado de S.Paulo
Os brasileiros falam de muitos modos. Há alguns programas de rádio no Nordeste que são simplesmente incompreensíveis para os paulistas. Um linguajar gaúcho bem cantado soa difícil em Manaus. Mas, quando se trata de estudar Matemática ou Ciências, todos os alunos brasileiros precisam saber o português, digamos, oficial, a chamada norma culta. Ou, ainda, quando uma companhia de Tecnologia da Informação (TI) lança um novo produto, uma máquina têxtil, por exemplo, o manual estará escrito no português normatizado, o dos dicionários.
Logo, as escolas brasileiras devem ensinar esse português, certo? Não é bem assim - é o que estão dizendo professores e linguistas alinhados na tese de que não há o certo e o errado no uso da língua. Há apenas o adequado e o inadequado. Assim, "nós pega o peixe" não está errado. E se alguém disser que é, sim, errado, estará cometendo "preconceito linguístico".
Essa tese se encontra no livro Por Uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender (Editora Global), que foi adotado, comprado e distribuído pelo Ministério da Educação a milhares de alunos. Daí a polêmica: trata-se de um livro didático, não apenas de uma obra de linguística.
Mas a polêmica está tomando caminhos equivocados. O pessoal favorável a essa tese argumenta com a variedade da língua falada e com a evolução permanente da língua viva, acrescentando algumas zombarias com o que consideram linguajar culto, das elites, mas que não passa de um falar empolado.
Um velho amigo se divertia fazendo frases assim: "ele saiu em desabalada carreira pela via pública", em vez de "ele foi correr" ou "fazer jogging".
Brincadeiras. No entanto, um aluno de 15 anos deveria rir dessa brincadeira.
O que o senhor acha, caro leitor? O aluno médio de uma escola pública brasileira perceberá o jogo com aquelas palavras? Entenderá sem esforços que se trata de um modo rococó de dizer algo simples?
Eis o equívoco em que nos estamos metendo. Em vez de tomar como prioridade absoluta o ensino da língua "oficial", aquela na qual vêm escritos os jornais, os manuais de TI, os livros de Matemática e os de Ciências, abre-se um debate para dizer que as crianças brasileiras podem falar e escrever "os menino pega os peixe".
É claro que podem. Mas precisam saber que esse não é o correto. E, se não souberem o correto, não poderão ler aquilo que os vai preparar para a vida profissional e para a cidadania.
Vamos falar francamente: uma pessoa que se expressa mal, que conhece poucas palavras e poucas construções, é uma pessoa que pensa mal, que compreende pouco.
Os alunos de Xangai foram muito bem no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) - o teste internacional para jovens do ensino médio, aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A prova avalia o conhecimento da língua, Matemática e Ciências. Na imensa China, entre 1,35 bilhão de habitantes, falam-se muitas línguas e muitos dialetos. Mas há uma língua oficial, escrita e falada, na qual os chineses estão alcançando posições de ponta na ciência e na tecnologia. Ensinam a língua intensamente.
Os alunos brasileiros vão mal no Pisa. Apresentam baixíssimo índice de compreensão de textos. Não sabem Português, e esse é um problema social e econômico. A baixa educação simplesmente condena à pobreza.
Dizer aos meninos, em livros didáticos, que "nós pega o peixe" está certo não é apenas um equívoco, é um crime. E discutir essas teses é perda de tempo, energia e dinheiro.
É como se tivessem desistido. Como não se consegue ensinar o Português, então vale o modo errado. E quem pensa diferente é preconceituoso. E então não precisa ensinar mais nada, não é mesmo?
Nossos professores, educadores e linguistas deveriam concentrar seus esforços num tema: como ensinar a língua culta para todos os alunos das escolas públicas e rapidamente. Conseguido isso, depois que nossas notas no Pisa alcançarem os primeiros lugares, então, tudo bem, vamos discutir as variações e os modos populares.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110516/not_imp719641,0.php
ENTREVISTA DA 2ª FERNANDO HADDAD
"É colocar carro na frente dos bois", diz Haddad sobre Prefeitura de SP
HÁ SEIS ANOS NO COMANDO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, FAVORITO DE LULA PARA DISPUTAR O CARGO DIZ QUE DEBATE É PREMATURO, MAS NÃO DESCARTA CONCORRER
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro da Educação, Fernando Haddad, é o candidato preferido de Lula para disputar a Prefeitura de São Paulo em 2012. O ex-presidente defende o lançamento de um nome "novo" e palatável para a classe média paulistana e vê no ex-auxiliar o nome certo para a missão. Com seis anos no cargo, Haddad, que sofre resistência de setores do PT na cidade, afirma que o debate sobre a candidatura é "prematuro" e uma ideia "de difícil execução". Que ele, no entanto, não chega a descartar. Na semana passada, o ministro recebeu a Folha em Brasília para uma entrevista. Abaixo, os principais trechos:
O senhor está no ministério há seis anos. Pensa em sair para novos desafios?
Fernando Haddad - Em 2007, lançamos o Plano de Desenvolvimento da Educação, com uma série de metas. E concluímos o mandato do presidente Lula cumprindo o que foi compromissado. É natural que haja uma sensação de missão cumprida.
Então no ano passado a minha perspectiva não era permanecer. Mas, à luz de conversas com o presidente Lula e sobretudo com a presidenta Dilma, já eleita, resolvi ficar. Já é difícil dizer não para um presidente; para dois, é quase impossível. E ela nos colocou um desafio estimulante na área de educação profissional e do ensino médio, que me reanimou. O Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico] será uma das marcas importantes do governo Dilma.
Mas ela queria mesmo ou o senhor foi da cota do Lula?
Olha... Aí é uma pergunta que eu não fiz a ela. Nem poderia. Mas eu entendo que a presidenta Dilma evidentemente respeita muito a opinião do presidente Lula, mas não faria algo de que não estivesse convicta.
Já houve relatos de que ela estaria insatisfeita com ministros, entre eles o senhor.
Num determinado momento, foi apresentado a ela -não por nós-um pequeno relatório dessas notas plantadas na imprensa por fontes anônimas. Na ocasião, ela deu uma entrevista para o jornal "Valor" desmentindo as notícias e reafirmando o apoio ao seu ministério de maneira bastante definitiva.
O senhor é candidato a prefeito de São Paulo, como deseja o ex-presidente Lula?
Nós temos hoje aqui no ministério projetos muito complexos, como o Pronatec. Antecipar um debate como esse, para mim, aqui no MEC, é muito difícil. E no PT de SP não faltam candidatos. Tem a ex-prefeita Marta Suplicy, que eu considero a mais preparada para pleitear o cargo, tem o ministro Aloizio Mercadante, tem jovens militantes petistas emergentes.
Mas o senhor não descarta.
Eu... Eu não estou discutindo essa questão. Eu não estou dizendo que não. Eu estou dizendo é que o MEC é um desafio e que a presidenta Dilma nos deu uma missão que nos animou.
Então eu acho que é uma discussão, em primeiro lugar, prematura. E, no contexto de São Paulo, é colocar o carro na frente dos bois.
Não estou com a atenção voltada para essa questão, embora chegue ao meu conhecimento a simpatia que o presidente Lula tem.
Quando Lula fala sobre isso, o que o senhor responde?
[Rindo] Digo para ele que eu acho complexa a ideia, de difícil execução.
E ele?
Ele ri.
Já o PT não gosta do senhor?
Eu não sei, sinceramente. Eu não sei te responder. Não sei nem se é verdade isso. Eu conheço a opinião do PT por notas anônimas em jornais. E eu não posso confiar porque ninguém se apresenta. Eu quero crer que não tenha ninguém... Como é que eu vou me pronunciar sobre isso? Não tem como.
O PT tem dificuldades com parte da classe média, especialmente em SP.
Na polêmica que envolveu o artigo do Fernando Henrique Cardoso sobre a questão da classe média, alguns jornais fizeram questão de frisar que o PT também tinha interesse nesse segmento. E ficou muito claro que o PT quer ampliar o seu eleitorado sem abdicar do povão. A sinalização [de FHC] era de quase desistência de disputar o voto das camadas populares, o que não cai bem num partido que se diz social-democrata. A oposição está numa encruzilhada. Um de seus integrantes [Jorge Bornhausen] já disse que ela está sem líder. Outro [José Serra], que está sem rumo. Não é só o sucesso do governo que explica isso. E aí eu entro num tema, que é o da relação da oposição com a mídia. A parte mais doutrinária da imprensa -estou falando da mais doutrinária, não de toda a imprensa- prestou mais serviços ao governo do que à oposição.
Como assim?
O governo melhora com a crítica da imprensa. E ela exerceu esse papel no governo Lula como eu nunca vi. Ponto para a imprensa. E ponto para o governo, que soube reagir e terminar bem avaliado. Acuada, a oposição, em vez de buscar compreender o que acontecia na sociedade e disputar o voto do eleitor, preferiu se abrigar nesse guarda-chuva doutrinário, mais conservador, que lhe parecia seguro. E essa situação demonstrou ser muito ineficiente do ponto de vista da disputa eleitoral. Na campanha presidencial, o candidato da oposição disse que o Banco Central não é a Santa Sé. A reação dessa imprensa doutrinária foi tão forte que ele foi obrigado a realinhar o discurso. E aí não ficou com uma, mas com duas Santas Sés: o BC e a igreja. Veja a armadilha que se criou. Esse exemplo é paradigmático.
Falta mão de obra qualificada no Brasil. Vocês governam há oito anos. Não faltou ver isso antes?
Faltou ver bem antes, eu diria. E nós vimos. Tanto é que dobramos as vagas nas federais e estamos triplicando as vagas nos institutos que formam técnicos. Em dez anos, triplicamos o número de graduados no país, multiplicamos por mais de dois o número de técnicos formados.
Mas não foi suficiente.
Essa sensação de falta de mão de obra qualificada vai se diluir no tempo. Nós estamos num ritmo em que oferta e demanda vão se encontrar logo adiante.
E a qualidade? Indicadores como o Pisa [exame que avalia estudantes de vários países] mostram o Brasil em 53º lugar entre 65 nações pesquisadas.
Em 2000, nós ficamos em último lugar no Pisa. Em uma década, superamos 15 países. O Brasil foi o terceiro em evolução. Em nove anos, reduzimos à metade a distância que nos separava do México. Superamos países com mais tradição que a nossa, como a Argentina, que não teve a metade dos nossos problemas históricos, de escravidão, patriarcalismo. E tem a questão federativa. Veja os EUA, também federativo: é o maior PIB do mundo e está em 30º lugar no Pisa. Uma coisa é a educação num Estado unitário, como a França. Outra é num país com a dimensão do nosso e a autonomia dos Estados. Aqui, o MEC só tem papel indutivo, nós não temos gestão sobre a rede.
Há uma questão polêmica em São Paulo que é a política de bônus para professores, por desempenho das escolas ou notas deles em uma prova. O que o senhor acha?
Nós definimos metas de qualidade para cada escola e para cada rede em 2007. E deixamos a critério dos entes estabelecer as estratégias para o atingimento das metas. Era a oportunidade de transformar o Brasil num laboratório de experiências pedagógicas e de políticas educacionais. Com várias estratégias, os Estados têm cumprido as metas, inclusive SP. Mas teve um sinal amarelo agora no Saresp [avaliação estadual] porque a nota caiu. Não vejo chance de uma política de bônus dar certo contra os professores. E eu tenho tido notícias de que tem havido da parte do governo do Estado mais abertura para ouvir a categoria. Todo mundo defende a política de promoção por mérito. A questão são os termos, se você vai promover pela avaliação dos alunos, pela prova do professor. É um bom debate.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1605201115.htm (assinantes UOL/Folha)
"Não somos irresponsáveis", diz autora de livro com "nós pega"
Educadora afirma que intenção da obra é deixar o aluno acostumado com linguagem popular à vontade e não "ensinar errado"
Naiara Leão, iG Brasília | 12/05/2011 16:08
Uma das autoras do livro didático de língua portuguesa Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), nega que a obra ensine o aluno a usar a norma popular da língua. Nota da coluna Poder Online publicada na manhã desta quinta-feira mostra que o livro ensina aos alunos que é válido usar expressões, como “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”.
Para a autora Heloisa Ramos, apesar de ter um capítulo dedicado ao uso da norma popular, o livro não está promovendo o ensino dessa maneira de falar e escrever. “Esse capítulo é mais de introdução do que de ensino. Para que ensinar o que todo mundo já sabe?”.
Segundo Heloisa, que é professora aposentada da rede pública de São Paulo e dá cursos de formação para professores, a proposta da obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, ao invés de reprimir aqueles que usam a linguagem popular.
“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo que ensine de forma gradual”, diz.
Foto: Reprodução Ampliar
Livro usado na Educação de Jovens Adultos tem capítulo sobre a norma popular da língua
De acordo com a professora, o livro didático adotado pelo MEC para turmas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) foi elaborado por ela e por outros especialistas em língua portuguesa com base nas experiências que tiveram em sala de aula após décadas de ensino. “Nossa coleção é seria, temos formação sólida e não estamos brincando. Não há irresponsabilidade da nossa parte”, afirma.
Ela acredita que, ao deixar claro que é tolerada todo tipo de linguagem, a escola contribui para a socialização e melhor aprendizado do estudante. “Quem está fora da escola há muito tempo, é quieto, calado e tem medo de falar errado. Então colocamos essa passagem para que ele possa sair da escola com competência ampliada”, diz.
Em nota enviada ao iG, o MEC defendeu o sudo do livro e afirmou que o papel da escola não só o de ensinar a forma culta da língua, mas também o de combater o preconceito contra os alunos que falam linguagem popular.
Apesar de defender que o livro continue sendo adotado, a autora admite que é preciso que o professores entendam a proposta para não desvirtuar o que ele propõe. O material vai acompanhado de um livro guia ao professor e os parâmetros curriculares do MEC explicam a abordagem variada da língua, mas como os livros são distribuídos para escolas de todo o país, é difícil ter esse controle.
Linguagem popular divide especialistas
A doutora em linguística e professora da Universidade de Brasília (UnB), Viviane Ramalho, vai além da opinião da autora do livro e defende que a linguagem popular seja ensinada abertamente nas escolas. “O ideal seria aprender todas as possibilidades diferentes até mesmo para respeitar o interlocutor que usa outra variedade linguística”, diz.
Para ela, essa seria uma forma da escola se aproximar da realidade dos estudantes. “Há uma exigência da própria sociedade de que o individuo saiba usar a as diversas variedades da língua”.
A linguista Juliana Dias acredita que a escola deva ensinar exclusivamente a norma culta e usar a linguagem popular apenas como exemplo durante as explicações. “O popular não cabe para o ensino. Cabe somente para reflexão, discussão, e até para o combate ao preconceito com as formas mais simples de se falar”.
Veja reprodução de trecho do livro "Por uma vida melhor":
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/nao+somos+irresponsaveis+diz+autora+de+livro+com+nos+pega/n1596948804100.html