terça-feira, 27 de novembro de 2012

Querem calar o Ministério Público

Querem calar o Ministério Público

Proposta em curso na Câmara dos Deputados ameaça tirar poder de investigação de promotores e procuradores em casos criminais. Supremo Tribunal Federal também vai deliberar sobre o tema

Silvio Navarro, Laryssa Borges e Carolina Freitas
O procurador geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, Roberto Gurgel
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel (Elza Fiúza/ABr)
No ano em que o Brasil comemora a vitória dos valores republicanos com o fim de uma era de impunidade de políticos corruptos, um grupo de deputados federais e de policiais civis faz avançar sem barulho na Câmara uma proposta que, se aprovada, reduzirá a atuação de uma das instituições que mais contribuem para a democracia no combate à corrupção e ao crime organizado: o Ministério Público. “É o típico exemplo do retrocesso institucional brasileiro: quando a gente avança em um aspecto vem a política, que mistura questões corporativas com questões republicanas”, afirma Lenio Luiz Streck, procurador de Justiça no Rio Grande do Sul e professor de Direito Constitucional da Unisinos. 
 
Sob a rubrica de PEC-37, a proposta prevê um remendo ao texto da Constituição Federal, proibindo que promotores e procuradores conduzam investigações na esfera criminal. A PEC define como competência "privativa" da polícia as investigações criminais ao acrescentar um parágrafo ao artigo 144 da Constituição. O texto passaria a ter a seguinte redação: "A apuração das infrações penais (...) incumbe privativamente às polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal." O texto foi aprovado em comissão especial nessa semana e agora segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e para duas votações no Plenário da Casa. Em seguida, vai ao Senado.
 
A legislação brasileira confere à polícia a tarefa de apurar infrações penais, mas em momento algum afirma que essa atribuição é exclusiva. No caso do Ministério Público, a Constituição não lhe dá explicitamente essa prerrogativa, mas tampouco lhe proíbe. É nesse vácuo da legislação que esse grupo de parlamentares e policiais tenta agora agir. Oficialmente, o autor da propositura é o deputado Lourival Mendes, do minúsculo PT do B do Maranhão. Parlamentar de primeiro mandato, o delegado de carreira maranhense encampa os interesses das polícias Civil e Federal, que reivindicam o monopólio das investigações criminais. 
 
As tintas da PEC foram dadas por entidades de classe da polícia. “Ou reagíamos ou seríamos sufocados e destruídos pelo Ministério Público”, justifica Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Na visão dele, o MP tomou contornos de um “megapoder”.  “Eles têm uma necessidade insaciável de acumular poder. Usurpam funções da polícia judiciária sem ter essa previsão constitucional. O pessoal brinca que eles pediram para tirar das cédulas de real a inscrição ‘Deus seja louvado’ porque não querem concorrência.” Prossegue Leôncio: “O MP não quer investigar o atacadão. Ele quer o filé mignon. O que dá trabalho passa para os bestas da polícia judiciária ficarem enxugando gelo."
 
No Supremo Tribunal Federal, está desde junho na gaveta do ministro Luiz Fux o processo que pode pôr fim à polêmica sobre os limites de investigação do Ministério Público e esclarecer de uma vez por todas as regras de atuação conjunta entre a instituição e autoridades policiais – talvez antes mesmo da votação no Congresso da malfadada PEC. Em agosto de 2009, a corte já havia decidido que o veredicto sobre um recurso do ex-prefeito de Ipanema (MG), exatamente este nas mãos de Fux, serviria de base para a solução dos questionamentos judiciais sobre a proibição de promotores e procuradores comandarem investigações. Mas o processo ainda não foi concluído. 
 
Diante de uma corte de onze ministros com quatro diferentes correntes de interpretação sobre o tema, Luiz Fux paralisou a análise do caso. Para o magistrado, o tribunal, mais do que impor ou não limites ao trabalho ao MP, precisa estabelecer a abrangência da decisão, ou seja, se ela interferirá ou não nas milhares de investigações chefiadas por procuradores e promotores em andamento.
 
Mesmo com o julgamento em aberto, o STF discute, entre outros pontos, a possibilidade de o MP conduzir investigações apenas se os próprios integrantes da instituição estiverem sob suspeita, se agentes policiais forem o alvo da apuração ou ainda se houver clara omissão da polícia em determinado caso. Na corte, também existe a corrente de pensamento, da qual fazem parte Gilmar Mendes e Celso de Mello, segundo a qual o MP pode conduzir apurações de crimes contra a administração pública, não apenas atuar de forma complementar à polícia. Há ainda aqueles que garantem a autonomia completa de investigação do MP, como Joaquim Barbosa, ou o tolhimento total das atividades investigativas da instituição, como Marco Aurélio Mello.
 
As conflitantes interpretações dos ministros têm impacto direto, por exemplo, nas investigações que levaram o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, a ser apontado como o mandante do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, em 2002. Um habeas corpus em favor do empresário pedindo a anulação das investigações realizadas pelo MP tem sido julgado em conjunto com o recurso.
 
O assassinato de Celso Daniel, que assombra até hoje o Partido dos Trabalhadores, aliás, é uma das principais vitrines da atuação autônoma do Ministério Público, para quem a morte brutal não se resumiu a um crime comum, conforme concluiu a polícia. Há uma década, o MP enfrenta uma batalha para provar que a morte de Celso Daniel tem contornos que vão muito além de um sequestro equivocado seguido de morte. Neste mês, reportagem de VEJA trouxe o caso à tona: o publicitário Marcos Valério de Souza, operador do mensalão, revelou em depoimento à Procuradoria-Geral da República que Ronan Maria Pinto, um empresário ligado ao antigo prefeito, estava chantageando o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para não envolver seu nome e o do ex-presidente Lula na morte de Celso Daniel.
 
É evidente que a atuação de promotores e procuradores também incorre em erros, especialmente devido à inexperiência e ao deslumbramento com os holofotes de alguns membros da instituição, movidos pela sanha acusatória – daí a série de denúncias apresentadas com base em recortes de jornais, por exemplo. Porém, apurações comandadas pelo Ministério Público contribuíram para desmontar dezenas de casos de corrupção nos últimos tempos. Foi assim com a Máfia dos Fiscais, em São Paulo, e com as denúncias de desvios envolvendo o ex-prefeito Paulo Maluf. 
 
O MP também investigou personagens como o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, e o ex-senador Luiz Estevão, pivôs do desvio de milhões do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) paulista, e o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que sangrou os cofres públicos no caso do Banco Marka. Foi o MP paulista quem descobriu e denunciou os horrores praticados pelo médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão por ter abusado de 56 pacientes em sua clínica – ele está foragido desde o ano passado. Assim como a descoberta e desarticulação do “esquadrão da morte” no Espírito Santo. A lista é grande e, recentemente, inclui o mais célebre caso envolvendo agentes políticos, o mensalão, cujas condenações representam um marco para o Judiciário do país.
 
“No cotidiano, polícia e MP cooperam para as investigações”, afirma Alexandre Camanho de Assis, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “A PEC-37 cria uma confrontação artificial, forjada por setores minoritários e radicais da polícia. Todas as últimas operações bem-sucedidas o foram por força da cooperação entre a polícia e o Ministério Público.” Assis lembra que, se hoje a impunidade campeia o Brasil, muito pior seria sem a atuação dos promotores e procuradores. “A corrupção está ligada a altos cargos públicos e ao exercício do poder e da manipulação da máquina pública. Se essa investigação é entregue exclusivamente para a polícia, fica muito mais fácil sabotar, calar, retardar ou inviabilizar uma investigação. O Ministério Público é uma magistratura vitalícia e que não se sujeita a nada, a não ser a lei e à sociedade.”
 
Exemplo internacional de retrocesso - Na última quinta-feira, durante a cerimônia de posse do ministro Joaquim Barbosa na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tocou no assunto e apontou a restrição dos poderes do MP como “um dos maiores atentados que se pode conceber ao estado democrático de direito”. E alertou: “Apenas três países do mundo vedam a investigação do MP. Convém que nos unamos a esse restritíssimo grupo?”. Gurgel se referia a Quênia, a Indonésia e Uganda. “Por que o Brasil tem de dar exemplos negativos para o mundo?”, questiona o procurador gaúcho Lenio Luiz Streck.
 
Em países como Alemanha, Espanha, Itália e Estados Unidos, o MP tem um papel preponderante na investigação e no controle da polícia. Na Itália, o trabalho de investigação dos promotores desmantelou a Máfia italiana com a chamada Operação Mãos Limpas. “O que faz diferença nesses países é que há tem um predador forte, o Ministério Público”, afirma Streckl. Nos Estados Unidos, o sistema é misto. A promotoria comanda investigações e os policiais trabalham orientados pela promotoria. 
 
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece expressamente que o Ministério Público deve dispor de um grupo de investigadores e ser encorajado a fazer investigações independentes contra acusações de execuções sumárias. A entidade recomenda que, se necessário, a legislação do país seja modificada para facilitar essa tarefa dos promotores e procuradores. “Atribuir à polícia a exclusividade para a investigação criminal é ir na contramão da jurisprudência, do avanço histórico da proteção da cidadania e dos tratados internacionais assinados pelo Brasil quanto ao combate à criminalidade”, afirma a procuradora da República em São Paulo Janice Ascari. 
 
Num ano que termina com ares de progresso do Judiciário brasileiro, resta a pergunta: a quem interessa tolher a atuação de promotores e procuradores no combate à corrupção e ao crime organizado? Podem até surgirem interessados. Mas à democracia, certamente, não.

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

PEC 37: entenda o que é e saiba quem votou a favor e contra



Guarde bem estes nomes: veja quais os Deputados Federais que votaram a favor de excluir o Ministério Público das investigações criminais: 

Arthur Oliveira Maia PMDB/BA
Eliseu Padilha PMDB/RS
Fábio Trad PMDB/MS
João Campos PSDB/GO
Reinaldo Azambuja PSDB/MS
Arnaldo Faria de Sá PTB/SP
Ricardo Izar PSD/SP
Eliene Lima PSD/MT
Francisco Araújo  PSD/RR
Edio Lopes PMDB/RR
Fernando Francischini PEN/RR
Vilson Covatti PP/RS
Bernardo Santana de Vasconcellos PR/MG
Acelino Popó PRB/BA

Votaram contra a exclusão do Ministério Público e contra o monopólio da investigação criminal pelas polícias, e apresentarão voto em separado:

Vieira da Cunha PDT/RS
Alessandro Molon PT/RJ

Acompanhe a PEC da Impunidade aqui:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507965


Uma importante observação:  os membros do Ministério Público e da Magistratura não podem se candidatar a nenhum cargo eletivo, ou seja, não podemos ocupar os cargos de Vereador, Prefeito, Governador, Deputado Estadual, Deputado Distrital (no DF), Deputado Federal, Senador nem Presidente da República.

Essa proibição faz com que juizes, promotores e procuradores sejam as ÚNICAS categorias profissionais que não têm representantes nas Casas Legislativas (Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa, Câmara dos Deputados e Senado Federal).

Temos o dever de votar, mas não temos o direito de ser votados.
SOMOS CIDADÃOS PELA METADE.


Quer saber mais sobre a PEC 37, conhecida como a PEC da Impunidade? Lá vai:


Procuradores da República lançam manifesto com 10 motivos contrários à PEC da Impunidade
25.06.2012
Associação se posiciona contra a proposta que retira o poder de investigação do Ministério Público. Em tramitação na Câmara dos Deputados, a PEC contradiz tratados internacionais assinados pelo Brasil.
A Associação Nacional dos Procuradores da República lança nesta segunda-feira, 25, um manifesto pela rejeição da Proposta de Emenda à Constituição 37/2011, a chamada PEC da Impunidade. O documento lista as 10 principais razões para que o projeto seja reprovado na Comissão Especial que trata do tema na Câmara dos Deputados.


De autoria do deputado federal Lourival Mendes (PTdoB/MA), a PEC torna o poder de investigação criminal privativo das polícias federal e civis, mediante alteração do artigo 144-§10. Favorável ao projeto, o relator da proposta, deputado federal Fábio Trad (PMDB/MS), apresentou um substitutivo, acrescentando alterações também no artigo 129 da Constituição - que disciplina a instituição do Ministério Público.

Para a ANPR, a realização de diligências investigatórias diretamente pelo MP é plenamente compatível com o modelo processual brasileiro e com sua missão constitucional. Além disso, o poder de investigação por membros do Ministério Público está previsto em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que, entre 2002 e 2008, houve desvios de R$ 40 bilhões em contratos com o governo. “Calar o MP em um país com índices tão altos de criminalidade significa um retrocesso intolerável para as instituições democráticas do país. Certamente, só terá os aplausos da criminalidade organizada”, afirma o presidente da ANPR, Alexandre Camanho.
Confira abaixo os 10 motivos contra a PEC da Impunidade:
1. Retira o poder de investigação do Ministério Público, como instituição responsável pela defesa da sociedade. Isso significa impedir que, somente no âmbito do Ministério Público Federal, mais de 1.000 procuradores da República trabalhem no combate ao desvio de dinheiro público e à corrupção.
2. Reduz o número de órgãos para fiscalizar. Além de impedir o Ministério Público, as investigações de órgãos como Ibama, Receita Federal, Controladoria-Geral da União, COAF, Banco Central, Previdência Social, Fiscos e Controladorias Estaduais poderão ser questionadas e invalidadas em juízo, gerando impunidade.
3. Exclui atribuições do MP reconhecidas pela Constituição, enfraquecendo o combate à criminalidade e à corrupção; além de ignorar a exaustiva regulação existente no âmbito do Ministério Público para as investigações, não reconhece a atuação de órgãos correicionais (Conselho Superior e Conselho Nacional do Ministério Público), bem como do próprio Judiciário, nem, tampouco, o quanto estabelece o artigo 129 da Constituição.
4. Vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a possibilidade de investigação pelo Ministério Público. Condenações recentes de acusados por corrupção, tortura, violência policial e crimes de extermínio contaram com investigação do MP, nas quais a polícia foi omissa.
5. Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação criminal, já que permitirá que os réus em inúmeros procedimentos criminais suscitem novos questionamentos processuais sobre supostas nulidades, retardando as investigações e colocando em liberdade responsáveis por crimes graves.
6. Vai na contramão de tratados internacionais assinados pelo Brasil, entre eles a Convenção de Palermo (que trata do combate ao crime organizado), a Convenção de Mérida (corrupção), a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que determinam a ampla participação do Ministério Público nas investigações.
7. Define modelo oposto aos adotados por países desenvolvidos como Alemanha, França, Espanha, Itália e Portugal, onde os atos investigatórios são feitos pela Polícia sob a condução e a orientação do Ministério Público e do Judiciário, sendo suas instruções irrecusáveis. Vale ressaltar que estudos apontam que apenas três países estabelecem sistemas onde a polícia tem a exclusividade da investigação criminal: Quênia, Uganda e Indonésia.**
8. Polícias Civis e Federal não têm capacidade operacional nem dispõem de pessoal ou meios materiais para levar adiante todas as notícias de crimes registradas. Dados estatísticos revelam que a maioria dos cidadãos que noticiam ilícitos à Polícia não tem retorno dos boletins de ocorrência que registram, e inúmeros sequer são chamados a depor na fase policial. Percentual significativo dos casos noticiados também jamais é concluído pela Polícia. Relatório do Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP) aponta, em relação aos homicídios que apenas 5 a 8% das investigações são concluídas.
9. Não tem apoio unânime de todos os setores da polícia; a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) afirmou em nota que “a despeito de sua condição de policial, manifesta-se contrariamente à PEC em atenção à estrutura interna da polícia federal e aos dados sobre a eficácia do inquérito policial no Brasil, com baixos indicadores de solução de homicídios em diversas metrópoles, que, a seu ver, evidenciam a ineficácia do instrumento, e desautorizam que lhe seja conferida exclusividade” .
10. Impede o trabalho cooperativo e integrado dos órgãos de investigação; um exemplo é a ENASP, que reuniu esforços de policiais, delegados de polícia e de membros do Ministério Público e do Judiciário, ensejando a propositura de mais de oito mil denúncias, 100 mil inquéritos baixados para diligências e mais de 150 mil movimentações de procedimentos antigos.
**MENDRONI, Marcelo Batlouni. Investigação Direta do M.P. - Situações Reais. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=733. Acesso em 29/05/2011. Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid/Espanha. Membro do Ministério Público de São Paulo Professor do Pós-graduação da Escola do Ministério Público de São Paulo Autor de Crime de lavagem de dinheiro, publicado pela Editora Atlas, dentre outras obras e artigos científicos.






segunda-feira, 19 de novembro de 2012

'WHITE COLLAR CRIMES': Os crimes de colarinho branco


Na última semana, duas altas autoridades manifestaram-se sobre a pena de prisão imposta aos crimes pela legislação brasileira.



O Ministro da Justiça afirmou que preferia morrer a cumprir alguns meses de cadeia, dadas as condições precárias do nosso sistema penitenciário, que é  'medieval': http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/11/ministro-da-justica-diz-que-preferia-morrer-ficar-preso-por-anos-no-pais.html



O Ministro Dias Toffoli, integrante do Supremo Tribunal Federal, advogou a tese de que os réus da Ação Penal 470 são pessoas inofensivas à sociedade e deveriam receber apenas penas de multa, para 'pagar com o vil metal', pois não oferecem perigo à sociedade e cadeia 'combina com período medieval': http://exame.abril.com.br/brasil/politica/noticias/toffoli-critica-penas-altas-do-mensalao

Se querem entender um pouco melhor esses posicionamentos, apresento a vocês o sociólogo e criminólogo norteamericano EDWIN H. SUTHERLAND, falecido em 1950 e um de seus livros, "WHITE COLLAR CRIMES".

Quando pessoas de elevado nível econômico ou social ou personalidades da vida política/pública cometem crimes, a primeira expressão que vem à mente é 'crime de colarinho branco', uma alusão às vestimentas: camisa branca, gravata, terno.

Você sabe como surgiu essa expressão?  A primeira abordagem do tema foi feita por ele, Edwin H. Sutherland, em 1940.

Sutherland estudou a marginalização de jovens e imigrantes, pessoas do campo, criando a "teoria da associação diferencial", que tem por base a aprendizagem do comportamento criminoso em situações de exclusão social.

Ele trouxe para o campo cientifico, pela primeira vez, o estudo do comportamento de empresários, políticos e homens de negócios. A proposta metodológica de Sutherland era verificar e analisar:


A) os órgãos de controle, ainda que civis e administrativos;

B) os crimes com alta probabilidade de condenação, sobretudo os que ficam na esfera civil, em que o interesse maior era reparar o prejuízo financeiro;

C) os comportamentos criminosos cuja condenação foi evitada por pressões junto ao juízo criminal ou autoridades administrativas - e -

D) a inclusão de todos os envolvidos nos crimes desde a origem, ainda que a condenação se limitasse apenas ao executor direto.

A criminalidade dos colarinhos brancos não difere da comum. Segundo Sutherland, os crimes das classes mais baixas são mais perseguidos por policiais, promotores e  juizes - e sempre são punidos com prisão.

Os crimes de colarinho branco são tratados de forma diferenciada e seus autores não são considerados " criminosos" nem por eles próprios, nem pela sociedade.

A vitima dos crimes de colarinho branco é a coletividade desorganizada, os interesses difusos. Os crimes tradicionalmente cometidos pelas classes mais baixas são contra os bens e a integridade do patrimônio dos mais ricos, ou os chamados 'crimes de sangue', que sofrem forte reação da sociedade.

O conceito sociológico dos 'white collar crimes' é o de crime cometido por pessoa de respeito, com status social elevado e no exercício de sua ocupação habitual ou oficio.  

Esses crimes têm menor reação penal, e as causas são:

A) o status dos autores dos crimes;

B) a tendência a haver repressão apenas em outros ramos do Direito, que nao o direito penal, há extrema refratariedade à punição com prisão;

C) a desorganização das vitimas, pois os danos à sociedade, embora graves, são diluídos e dificilmente mensuráveis.

Há uma análise bastante interessante sobre o perfil dos que cometem os crimes de colarinho branco, o 'Psicograma de Mergen':

A) ávidos por dinheiro, com enorme apego aos bens materiais;

B) egocêntricos, sofrem de profunda solidão e, para compensar, mostram-se pródigos, caritativos, generosos;

C) têm inteligência superior à media e a utilizam não para o bem comum, mas para seu próprio bem imediato - e -

D) não se consideram criminosos.

Por 10 anos, Sutherland estudou as 70 maiores empresas americanas. Seu livro 'The White Collar Crimes' foi publicado em 1949, mas sem os nomes das empresas, pois o editor temia represálias e processos.

Em 1983, finalmente foi publicada a versão integral: "White Collar Crimes - the uncut version".

Então, Sutherland não é super atual?