segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Carta de Angra dos Reis


Entre 28 de outubro e 2 de novembro de 2014, os associados da ANPR - Associação Nacional dos Procuradores da República reuniram-se em seu Encontro Nacional, o 31º.

Recebemos, em interessantes palestras e troca de experiências, o Procurador Nacional Antimafia MAURIZIO DE LUCIA, o Juiz Federal SÉRGIO MORO, o Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA, o Presidente do COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES, o advogado PIERPAOLO CRUZ BOTTINI.

Além disso, tivemos outras reuniões sobre temas internos de interesse dos Procuradores da República, da ativa e aposentados, com a presença do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

Abaixo, as conclusões de nossas discussões ao longo desses dias de Encontro, focadas no combate ao crime organizado, às organizações criminosas e suas engrenagens.



XXXI Encontro Nacional dos Procuradores da República

O CRIME ORGANIZADO E SUAS ENGRENAGENS

Carta de Angra dos Reis – RJ


Os membros do Ministério Público Federal, reunidos no Município de Angra
dos Reis (RJ), no XXXI Encontro Nacional dos Procuradores da República, ocorrido
entre os dias 28 de outubro e 2 de novembro de 2014, em torno do tema central “O
crime organizado e suas engrenagens”,

Considerando que ao Ministério Público, titular da ação penal, cabe
apresentar em Juízo as provas coletadas, em atuação coordenada com a polícia,
durante a fase de investigação criminal,

Considerando a necessidade de pensar o sistema investigativo para fazer
frente aos desafios impostos pela criminalidade moderna e prestar à sociedade
uma tutela penal eficiente,

Considerando o alto grau de sofisticação e a mutabilidade das organizações
criminosas, bem como a diversidade e gravidade dos delitos praticados,

Considerando os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil de
combate ao crime organizado, sobretudo as diretrizes da Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,

Considerando que o enfrentamento ao crime organizado reclama maior
expertise dos agentes de persecução criminal,

CONCLUEM que:

1. Ė essencial e urgente tornar a investigação criminal mais eficiente, técnica
e coordenada, com revisão e modernização de seus procedimentos e forma de
organização das instituições envolvidas.

2. O inquérito policial, arcaica e ineficiente subespécie de procedimento
investigatório injustificadamente judicialiforme, deve ser extinto e substituído por
procedimentos técnicos, rápidos, e sempre com absoluto respeito aos direitos
fundamentais do investigado, focados na coleta de provas, a serem apresentadas 2
ao Ministério Público, a quem cabe com exclusividade a apreciação jurídica
primeira sobre elas (opinio delicti), além do controle externo da atividade policial.

3. O efetivo combate à corrupção e à criminalidade organizada e a eficiência
e efetividade da persecução criminal, no século XXI, exigem a flexibilização
crescente do princípio da obrigatoriedade da ação penal. A adoção do princípio da
oportunidade regrada ("prosecutorial discretion"), mediante definição de
prioridades na persecução criminal, a partir de diretrizes construídas prévia e
coletivamente, inclusive ouvidos os demais corpos atuantes na segurança pública,
cabe ao Ministério Público, titular da ação penal, e seu exercício deve se dar
mediante decisões fundamentadas, com recurso da vítima para os órgãos
legalmente investidos de atribuição revisora.

4. As polícias devem ser estruturadas em forma de carreira com entrada
única, submetendo-se à estruturação hierárquica de acordo com experiência,
mérito e formação técnica. A atividade pericial deve gozar de autonomia e carreira
própria.

5. As polícias militares e a polícia rodoviária federal devem ter atribuições
de investigação próprias (ciclo completo de polícia) nos casos dos delitos
alcançados em flagrante e dos crimes em que suas estruturas e inserção facilitam a
investigação.

6. A fiscalização e policiamento de fronteiras é essencial para o combate ao
crime organizado, tráfico de drogas e de armas, e exige corpo policial
especializado.

7. Deve ser estimulada a formação de corpos especializados de polícia para
combate a crimes ambientais, financeiros e contra a ordem econômica e tributária,
que devem estar inseridos ou atuar em coordenação com os órgãos de controle
administrativo de cada uma destas áreas.

8. A atividade de investigação criminal deve ser sempre coordenada. Para
este fim, impõe-se a superação do regime de presidência de investigações, e a
adoção de sistema de trabalho que privilegie o contato entre todas as instituições e
setores envolvidos, sob coordenação de policial escolhido em razão de experiência
e conhecimento temático, sempre com acompanhamento e supervisão do
Ministério Público em todas as etapas do procedimento investigatório.

9. A investigação criminal própria pelo Ministério Público, seja direta, seja
coordenando forças policiais, deve ser executada sempre que adequada para maior
efetividade e economia na persecução criminal, e seguirá as exigências de garantia
aos investigados e ao devido processo legal, sendo ainda supervisionada pelos
órgãos superiores ministeriais ou pelo Poder Judiciário.

10. O combate à moderna criminalidade e às organizações criminosas exige,
tanto das forças policiais, quanto do Ministério Público, atuação em escala que
supera a divisão local. Estes grupos de atuação ministerial estadual ou nacional 3
devem ser estáveis e regulados previamente, de forma a garantir o respeito aos
princípios da independência funcional, da inamovibilidade e do promotor natural.

11. O combate efetivo e eficiente ao crime exige a adoção e expansão de
técnicas especiais de investigação, e a especialização técnica do Ministério Público
e das forças policiais. Igualmente exige que estas instituições tenham contingente
suficiente para fazer face a estes desafios, o que impõe a expansão destas carreiras.

12. O Brasil deve envidar esforços no sentido de se adequar às
recomendações do GAFI no que se refere à tipificação do terrorismo e de seu
financiamento.

13. Devem ser destinadas verbas públicas em escala suficiente para
incrementar as redes de proteção a vítimas, testemunhas, réus colaboradores, e
aperfeiçoada a legislação para proteção de denunciantes de atos ilegais
("whistleblowers").

14. O Brasil deve dispor de legislação de cooperação internacional em
matéria penal, especialmente para a recuperação de ativos e mecanismos para
acelerar e simplificar a cooperação nas fronteiras, inclusive para atos de
comunicação processual e atuação policial.

15. Os procuradores da República apoiam a implementação do Acordo de
Foz do Iguaçu sobre o Mandado Mercosul de Captura.

16. É imperiosa a reformulação do sistema recursal para reduzir o número
de recursos e possibilitar a execução da pena e do confisco de bens após o exercício
do direito ao duplo grau de jurisdição.

17. As Magistraturas do Ministério Público e do Judiciário devem ser
remuneradas de forma proporcional e condigna às suas responsabilidades e
limitações específicas de regime que lhes são impostas pela Constituição, razão
pela qual se exige a recomposição dos subsídios próprios, não repostos de acordo
com a inflação na última década.

18. É imprescindível a recuperação das magistraturas do Ministério Público
e do Judiciário enquanto carreiras, com natural e justa possibilidade de progressão
no tempo, o que hoje não ocorre. Os Procuradores da República, neste diapasão,
apoiam e esperam a aprovação pelo Congresso Nacional da PEC 63, a qual
estabelece o adicional de Valorização de Tempo da Magistratura.