sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O direito à informação e a liberdade de imprensa

Entre os temas que mais me animam estão a liberdade de expressão do pensamento, a liberdade de imprensa e o direito à informação.

Todos são garantias constitucionais, ou seja, a Constituição Federal do Brasil assegura que cada um de nós seja livre para expor nossos pensamentos e opiniões, que a imprensa tenha total liberdade para trabalhar, sendo garantido o sigilo absoluto de suas fontes, e, ainda, que cada cidadão tenha direito à informação.

Aqui e ali, acabamos topando com atitudes e decisões que podem ser tidas como 'limites' a estas liberdades e garantias mas que, no limite, podem configurar censura. O caso que trago é assim.

Um Delegado de Policia Federal instaurou um inquérito policial contra jornalistas, pela suposta prática do delito previsto no art. 10 da Lei nº 9.296/96 (quebra de sigilo telefônico).

Isso porque os jornalistas, no exercício de seu ofício e no estrito dever profissional de informar a população, veicularam matéria no programa "Fantástico" de 5/5/2013, mostrando à população descalabros da administração pública, com trechos de diálogos telefônicos que constavam de um outro inquérito policial, sigiloso, oriundo de operação da polícia federal denominada “Sangue Frio”. O Delegado de Polícia Federal entendeu que os jornalistas haviam cometido crime de violação de sigilo telefônico ao colocar os áudios das interceptações no ar e abriu investigação contra eles.

Você pode ver a reportagem do Fantástico, sobre desvios de verbas da saúde no Hospital do Câncer e Hospital Universitário, ambos em Campo Grande-MS, aqui:

http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/05/gravacoes-mostram-esquema-de-desvio-de-verba-em-hospitais-de-ms.html

Os jornalistas impetraram habeas corpus para impedir que fossem acusados, pelo delegado, de violação de sigilo, por veicular os áudios das interceptações telefônicas. O juiz federal de primeira instância negou o pedido e eles recorreram ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que tem jurisdição nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do procurador Pedro Barbosa Pereira Neto, pediu que a investigação fosse trancada. O Tribunal acolheu e determinou que os jornalistas não sejam processados, podendo ser ouvidos apenas como testemunhas.

Sempre que posso, esclareço às pessoas que o crime de violação de sigilo é restrito, apenas e tão somente, às pessoas que participam do processo sob sigilo: juiz, MP, polícia, servidores desses órgãos, advogado e réu. Qualquer um deles pode 'vazar' a informação e, com isso, comete crime.

Entretanto, se um jornalista recebe uma informação sigilosa e a publica, não comete crime algum, pois não está abrangido pela norma penal. Quem comete crime é quem vaza a informação, não quem a torna pública por dever de ofício.


A decisão é importante, por assegurar o sigilo da fonte e o pleno exercício da liberdade de imprensa, que tem o dever de levar informação ao cidadão.

DECISÃO DO TRF:

Acórdão 14662/2015

HABEAS CORPUS Nº 0014097-92.2014.4.03.0000/MS
2014.03.00.014097-9/MS
RELATOR : Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES
IMPETRANTE : EDUARDO AUGUSTO MUYLAERT ANTUNES
: SYLAS KOK RIBEIRO
: ALEXANDRE DAIUTO LEAO NOAL
PACIENTE : EMERSON MAURICIO FERRAZ
ADVOGADO : SP021082 EDUARDO AUGUSTO MUYLAERT ANTUNES e outro
PACIENTE : BRUNO TAVARES DE MENEZES
: NELIO RAUL BRANDAO
ADVOGADO : SP021082 EDUARDO AUGUSTO MUYLAERT ANTUNES
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 5 VARA DE CAMPO GRANDE > 1ªSSJ > MS
No. ORIG. : 00036603420144036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS. INDICIAMENTO. ART. 10, DA LEI N.º 9.296/96. CRIME PRÓPRIO. SEGREDO DE JUSTIÇA. DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Impetração conhecida, uma vez que a urgência da medida é incompatível com o tempo necessário ao processamento do recurso em sentido estrito, previsto no inciso X do artigo 581 do CPP, tendo em vista a designação de data para o indiciamento.

2. As hipóteses autorizadoras da decretação do segredo de justiça, no processo judicial, estão estampadas na Carta Política e no Código de Processo Civil. Pelo texto constitucional (art. 93, IX), observamos que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão, a priori, públicos, com exceções às hipóteses de preservação da intimidade do interessado, mas desde que este resguardo não venha a prejudicar o interesse público à informação. Já pela norma processual civil (art. 155), os processos relativos ao interesse público, ao casamento, filiação, separação e guarda de menores correrão em segredo de justiça, com o direito de consulta aos autos ficando restrito às partes e seus procuradores. Dessa forma, constata-se que a própria norma constitucional preserva, como voz mais alta, o interesse público à informação, a par de garantir o direito, em lado inverso, à intimidade alheia, para que determinados dados pessoais do investigado não se alastrem indevidamente para fora da seara do julgamento. Nesta mesma direção se perfila o teor do art. 5º, inciso IX, da Carta Política, ao contemplar a todos "o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".

3. Pesa contra o paciente investigação em que se apura sua responsabilidade por suposta quebra do segredo de justiça, em Operação da Polícia Federal, denominada "Operação Sangue Frio", com base na norma do art. 10, da Lei 9.296/96, por ter realizado, como jornalista da Rede Globo, matéria veiculada no programa Fantástico (05.05.2013), o qual exibiu reportagem investigativa acerca de hospital público de Campo Grande/MS, onde os responsáveis realizavam tratamentos de câncer fictícios em pacientes, para obtenção fraudulenta de recursos indevidos do SUS, além de outras práticas ilícitas apuradas. Vê-se que a matéria jornalística apontada teve cunho tipicamente investigativo, como propalado acima, a par de veicular trecho de diálogos de conversas telefônicas, oriundas de investigação policial que corre em segredo de justiça.

4. Perquire-se sobre o enquadramento do ato praticado pelo jornalista M. F. e outros da equipe, em relação ao tipo contido no art. 10 da Lei 9.296/96, o qual dispõe que "constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei".

5. Por se tratar de crime próprio, deduz-se que somente poderia ser praticado por quem tivesse legítimo acesso ao procedimento de interceptação, ou seja, por aquele que, de alguma maneira, participou do ato de proibição da formação do sigilo, na condição de autor da decisão ou como responsável/obrigado legal para resguardar o direito ao sigilo. O repórter investigativo que divulga dados tidos como sigilosos, ciente ou não do sigilo, não incorre na dita responsabilidade legal de resguardo, tal como previsto na norma acima transcrita. A norma, de fato, prevê o delito de quebra de segredo de justiça, e não de divulgação de atos tidos como sigilosos, quando não foi ele quem praticou a efetiva quebra.

6. No caso concreto, o Paciente obteve a mídia, resguardada por quebra de sigilo, por meio de terceira pessoa. Esta terceira pessoa, sim, efetivamente, teria quebrado o segredo de justiça, rompendo com o dever legal de guarda do material sigiloso; mas não se imputa esta obrigação legal ao jornalista que a recebeu e a divulgou. A divulgação dos diálogos tidos como sigilosos é, aqui, mero exaurimento do ato ilícito praticado por terceira pessoa, estranha ao presente feito.

7. A norma incriminadora busca repreender aquele que concretamente violou a obrigação legal de guarda de um sigilo decretado, ou seja, quem efetivamente procedeu à quebra, por possuir obrigação legal de resguardo, e não aquele que apenas divulgou dados recebidos de terceiros. Daí o tipo penal ser tido como próprio. Mesmo que se pudesse classificar o ato em espécie como crime comum, ainda assim, seria necessário que qualquer pessoa do povo viesse a praticar o ato caracterizado como quebra do segredo de justiça, como por exemplo, roubar a mídia de local protegido, ou qualquer outra ação concreta que se configurasse no tipo descrito no art. 10 da Lei 9.296/96. Quando um dado sigiloso é entregue a um jornalista, pode-se dizer que já ocorreu, naquele momento, a quebra do segredo de justiça previsto na norma do art. 10 da Lei 9.296/96, afastando-se, a partir daí, qualquer responsabilização deste profissional, ainda que pudesse estar ciente da restrição.

8. No mais, e caminhando paralelamente ao aspecto técnico da questão, fato é que importa a toda a população brasileira tomar conhecimento dos atos de desmando que os dirigentes públicos de hospitais públicos venham a praticar em detrimento de verbas oficiais, como o caso sugere.

9. Ordem concedida, para determinar que o paciente não seja indiciado em inquérito policial, podendo a autoridade policial, entretanto, ouvi-lo em simples declarações, para colher informações que possam ser consideradas úteis ao deslinde do feito, assim como estender a decisão aos demais pacientes, conforme decisões já proferidas anteriormente.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, determinar que o paciente Emerson Maurício Ferraz não seja indiciado no Inquérito Policial 196/2013, podendo a autoridade policial, entretanto, ouvi-lo em simples declarações, para colher informações que possam ser consideradas úteis ao deslinde do feito e determino a extensão da presente decisão a Bruno Tavares de Menezes e Nélio Raul Brandão, conforme decisões já proferidas anteriormente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de outubro de 2015.
COTRIM GUIMARÃES
Desembargador Federal Relator

Link:

http://web.trf3.jus.br/diario/Consulta/VisualizarDocumentosProcesso?numerosProcesso=201403000140979&data=2015-10-15