domingo, 24 de abril de 2011

Ministério Público na COPA 2014: agindo para você não tomar bola nas costas

O Ministério Público Federal criou, em meados de 2010, um Grupo de Trabalho especialmente para acompanhar toda a movimentação de dinheiro público e preservação da cidadania relacionados à Copa do Mundo 2014 e às Olimpíadas 2016. Veja aqui: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/impactos-sociais-megaeventos-moradia-adequada/apresentacao-do-gt/

Infelizmente, como sempre, há grande tendência ao mau uso do dinheiro público. As obras para a Copa 2014 ainda nem começaram - e não é por falta de tempo ou de avisos e recomendações do Ministério Público. A idéia, ao que parece, é atrasar as obras propositadamente para depois, na undécima hora, contratar tudo sem licitação ou controle, abrindo a verdadeira Porta da Esperança para a corrupção, desvio de verbas, superfaturamentos, apadrinhamentos e conchavos políticos, tudo em nome da urgência - e tudo a preço de ouro.

O Ministério Público Federal está atento e, dentro dos instrumentos legais, vem alertando as autoridades sobre a inércia e sobre a inviabilidade de projetos mirabolantes que torrarão uma montanha de dinheiro público sem necessidade, como os Aerotrilhos de Manaus e São Paulo ou a construção de estádios que, depois, não serão utilizados. Leia em
http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_patrimonio-publico-e-social/copa-2014-mpf-am-apresenta-conclusoes-sobre-a-inviabilidade-do-monotrilho-para-manaus-em-audiencia-publica-na-ale-am-1  
e  
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticia/MPF+E+MP+DE+SAO+PAULO+PEDEM+SUSPENSAO+DA+CONCORRENCIA+PARA+CONSTRUCAO+DO+MONOTRILHO+MORUMBI_72225.shtml
e
http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com/2011/03/mpf-aponta-irregularidades-na.html


Outros aspectos estão merecendo toda a atenção do Ministério Público e, só a título de exemplo, selecionei alguns:

- a preservação da cidadania em termos de moradia (querem remover comunidades do entorno das obras  http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com/2011/03/mpf-aponta-irregularidades-na.html);

- o impacto ambiental que as obras monumentais causarão - http://jogodopoder.wordpress.com/2011/04/16/falta-competencia-infraero-nao-faz-estudo-de-impacto-ambiental-e-juiz-acata-pedido-de-suspensao-da-licitacao-das-reformas-de-cofins/   e  http://abrampa.org.br/noticias_listar.php?idNoticia=2527

- a adaptação dos aeroportos à demanda (nem o de São Paulo, o maior da América Latina, não está preparado para isso - http://www.examenews.com/economia/brasil/noticias/mpf-pede-agilidade-em-obras-de-aeroportos-para-a-copa),

Enfim, trabalho não nos faltará.

A propósito do tema, seguem o Editorial do O Estado de São Paulo e artigo de Marcelo Rubens Paiva, ambos de 23 de abril de 2011:

Dinheiro vai rolar mais que a bola

Opinião -  O Estado de S.Paulo, 23.04.2011

Não é de hoje que as autoridades têm tratado com um misto de condescendência e bazófia as críticas à lentidão das obras necessárias para a realização da Copa do Mundo em 2014. Quando o assunto é tratado pela mídia, com base em levantamentos sérios, como o divulgado há dias pelo Ipea, ministros e altos funcionários falam como se tivessem trunfos escondidos na manga da camisa. E, pouco a pouco, eles são colocados na mesa. Como se não bastasse a Medida Provisória 497, aprovada no ano passado, pela qual foi concedido regime especial de tributação - ou seja, isenção de impostos - para a aquisição de bens ou serviços destinados à construção, ampliação e modernização de estádios, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012 abre uma nova brecha, esta ainda mais perigosa. O projeto da LDO, encaminhado ao Congresso no último dia 15, visivelmente fora de sintonia com o propósito expresso do atual governo de cortar gastos, prevê tratamento especial para obras públicas relacionadas a eventos especiais (leia-se Copa do Mundo e Olimpíada), como aeroportos, estradas e metrôs, para que elas possam ser tocadas com mais agilidade e não sejam interrompidas a todo momento. É justamente o que as empreiteiras queriam: se não forem inteiramente dispensadas, as licitações serão feitas a toque de caixa, não podendo as obras ser embargadas pelo Tribunal de Contas da União, se surgirem fundadas suspeitas de irregularidades.
Pode ser até que o País não passe vexame perante os estrangeiros por não ter daqui a três anos a infraestrutura necessária para a realização do megaevento esportivo. Mas a forma como os preparativos vêm sendo feitos já são, em si, uma vergonha para os brasileiros. E vai certamente doer nos seus bolsos. Mesmo com o regime especial de tributação, as obras tenderão a ser muito mais caras, pois, sem controle adequado, abre-se espaço para os abusos e para a corrupção. E, com a inflação rondando, não será novidade se as empreiteiras pleitearem reajustes milionários. Já se viu esse filme.
Com o açodamento que se segue à perda de tempo, é previsível que sejam feitas obras de carregação, que precisarão, logo depois, de reparos ou reformas. Não será surpresa também se vierem por aí esquemas engenhosos para cobrir extravagâncias. Afinal, como os gastos de custeio da máquina oficial são considerados "incomprimíveis" e como o governo se reservou R$ 37 bilhões, pela LDO, para despesas discricionárias, com liberdade plena para gastar, é provável que uma boa parte disso acabe indo para as obras da Copa, além, claro, daquelas incluídas no PAC. Se assim for, para produzir um superávit primário de 3% do PIB, o governo não conseguiria resistir à tentação de onerar ainda mais os contribuintes.
Além disso, em uma fase de contenção do crédito, o BNDES criou uma linha de crédito de R$ 3,6 bilhões, destinada a projetos de construção ou reforma de estádios. São exigidas garantias, sendo aceita a associação entre clubes de futebol ou governos estaduais com empresas privadas. Mas, com a premência de tempo, já há pressões para que o banco afrouxe as exigências e eleve as suas disponibilidades para atender à demanda, dado o alto custo da construção de modernos estádios cobertos.
Evidentemente, tudo isso está ligado a objetivos político-eleitorais. Os detentores do poder nos três níveis de governo tentarão extrair o máximo possível de dividendos eleitorais da Copa nas eleições municipais de 2012 e no pleito de 2014.
Não se pode deixar de lembrar que a decisão da Fifa de realizar o evento no Brasil foi tomada em outubro de 2007 e, fora as comemorações dessa "vitória", os governos, a CBF e os clubes cujos estádios vão sediar os jogos não fizeram nada até 2010, quando começaram a fluir as benesses. Dizia-se, até então, que os projetos mirabolantes seriam tocados basicamente sem um tostão dos governos. O dinheiro público deveria ser destinado a fins mais úteis à sociedade, e não na organização da festa da pátria de chuteiras. O que se vê na prática é que o dinheiro público para a Copa começa a rolar. E vai rolar muito mais.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110423/not_imp709757,0.php


A Copa sem dono

Marcelo Rubens Paiva - O Estado de S.Paulo, 23.04.2011

Ou a Copa do Mundo de 2014 será o maior fiasco da história dos mundiais, tirando o da Colômbia, que não aconteceu, ou a mais improvisada. Já falam até em instalar puxadinhos nos aeroportos.
E, pior, não teremos quem responsabilizar, pois as decisões para levantar o evento não foram centralizadas. Conclusão que se tem quando vemos as declarações do ministro dos Esportes, Orlando Silva, que afirma, como se eximindo da responsabilidade: é uma copa federalizada.
O governo cria condições de financiamento através do BNDES e foca as atenções nos aeroportos. Estados e Prefeituras fazem as obras de transporte e infraestrutura. PPPs erguem estádios. E todos esperam que a Fifa abra o cofre.
Se tudo desse certo, teríamos trens, metrôs, BRTs e VLTs espalhados pelo Brasil, e aeroportos modernos e acessíveis. Mas, a cada dia, uma notícia desanimadora.
Minha aposta é que talvez role apenas os BRTs, Bus Rapid Transit, nosso conhecido busão-sanfonado que anda por corredores exclusivos. Com cobrador.
O trem-bala ligando Rio - São Paulo, agora avaliado em R$ 50 bilhões, teve mais uma vez a licitação adiada. Está na cara e no bolso que é inviável.
Já estava meio óbvio que não sairia do papel e fazia parte de um delírio dentre tantos de uma campanha eleitoral. Como o aerotrem, de Levy Fidelix.
Mas temos garantido, sim, um belo folder, a Matriz de Responsabilidades, assinado por muitas autoridades, algumas que nem estão mais no Poder. E representantes da Casa Civil, Infraero, Secretaria de Portos, Ministérios do Planejamento, Esporte, Fazenda e Cidades, Fifa, CBF, Secretarias Estaduais e Municipais das cidades-sede envolvidas no evento e "compromissadas".
Se algo der errado, o vilão estará dissipado entre 12 Estados, 12 prefeituras, 12 empreiteiras e centenas de burocratas.
Pode ser uma Copa com a cara do Brasil: muito sonho, muita burocracia, muito cacique, pouca ação e um futuro mais uma vez adiado.
Sem problemas. Culparemos os chatos dos hippies, que se preocupam demais com o meio ambiente, embargaram obras e não deram licenças ambientais, prejudicando a farra.
***
Desde o início, o brasileiro, que sempre sonhou em trazer de volta o evento que mais o mobiliza e mais traumatizou a nação em 1950, estranha as decisões tomadas por alguém - que não sabemos exatamente quem.
Foi a costura da aliança política de Lula que o espalhou entre 12 cidades? Na África do Sul foram 9.
Por que Natal, se em Goiana, por exemplo, há três times tradicionais que se revezam nas séries A e B? O Ministério Público já questiona a viabilidade do Estádio das Dunas. Por que Cuiabá, que tem pouca tradição no futebol?
Por que Manaus, e não Belém que abriga um ótimo estádio, o Mangueirão, e dois times de tradição, Remo e Paysandu, sendo que um deles fez história ao derrotar o Boca em La Bombonera?
Por que um quarto estádio em PE, a 19 quilômetros do Recife, prognosticado futuro elefante albino, se já existem três na cidade, dos três grandes times, Náutico, Sport e Santa Cruz?
Aliás, o Arruda, do Santa Cruz, o segundo maior estádio privado do País, recebeu recentemente a seleção brasileira e tem um gramado que, brincam os torcedores, é ovacionado.
O Maracanã recebe outra reforma bilionária. Não tinham pensado nisso na reforma da abertura do Pan? E trocarão a cobertura tombada por lona. As obras do Mané Garrincha, de Brasília, já foram interditadas pelo Tribunal de Contas do DF.
Por fim, o Itaquerão, o polêmico estádio construído sobre um terreno irregular, em que passa um oleoduto, e que precisa da aprovação da Câmara dos Vereadores. Sem contar a linha de metrô abarrotada que o liga ao resto da cidade.
Tinha o Morumbi, estádio mal construído por um arquiteto de prestígio, que pelo visto não costumava ver jogos no campo. Tinha o Pacaembu, estádio paixão da cidade, com projetos na gaveta para ser ampliado feitos pelo próprio Corinthians.
Dentre as responsabilidades do governo de SP, uma já saiu do papel: a cidade anunciou a instalação de 272 câmeras de segurança. Por enquanto, é só.
Faltam dois anos para a Copa das Confederações e três para o Mundial.
***
Dá na pinta que as obras de mobilidade urbana não avançarão em tão pouco tempo. Talvez os estádios fiquem prontos em cima da hora. Se tudo sair como a encomenda, teremos enfim estádios cobertos e dignos do nosso futebol, depois de décadas em que o torcedor tomou chuva na cabeça, e alguns elefantes brancos.
Penso em sugerir a intervenção da sociedade brasileira neste fiasco aparentemente iminente.
E escalar voluntários para ajudar os controladores de voo (nerds viciados em videogames) a pousar e taxiar aviões. Podemos oferecer galpões ao redor dos aeroportos para guardá-los. Iremos todos carregar malas dos turistas que chegam.
Podemos hospedá-lo em nossos condomínios fechados - no quarto do filhão, despachado para a casa dos avós.
Vamos priorizar os que têm infra de clube, como piscina e academia, e nomes em inglês, como São Paulo Cool. Prédio com nome em inglês é o que não falta.
Levaremos os torcedores de carro para os estádios. E buscaremos na saída. E aos domingos estarão no almoço de família discutindo a relação e as diferenças entre Messi e Neymar, Massa e Alonso, e a política externa de Lula e Dilma.
Eles nunca se esquecerão do sabor da nossa lasanha e do calor da nossa hospitalidade.
***
Falando nisso, alguém já calculou a invasão turística proporcionada pelo filme Rio?
Ele bate recordes de bilheteria aqui e lá fora. O fenômeno de Carlos Saldanha, que traça um retrato positivo em 3D da cidade, lidera até a bilheteria americana.
O problema é a gringaiada vai querer ver araras-azuis passeando entre praias, montanhas e rodas de samba. Será que, para não decepcioná-los, não é melhor começarmos a tingir urubus de azul e enfeitar mergulhões como se fossem tucanos?
Taí mais um vilão para a insana bolha imobiliária carioca. Se antes eram as novelas de Manoel Carlos, que inflacionavam os alugueis no Leblon e Ipanema, agora será "aquele desenho daquele cara da Era do Gelo".

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110423/not_imp709689,0.php

Um comentário:

  1. É, cara Janice,
    essa estória de se 'ficar no atropelo' e canetarem 'urgência' e 'necessidade de continuidade do serviço público' para prorrogação de contratos sem licitação é algo antigo, antigo...
    Verdadeiro déjá vu tupiniquim!
    Parabéns pelo post.
    Abraços
    Fernando
    www.consirandobem.blogspot.com

    ResponderExcluir