Na data de ontem, a Justiça Federal em Belo Horizonte-MG concedeu liminar em Ação Cautelar ajuizada pelo Ministério Público Federal, suspendendo a exibição do filme "A Serbian Film", já proibido em vários países.
A ação foi ajuizada pelo Procurador da República Fernando de Almeida Martins. A decisão, proferida pelo Juiz Federal Ricardo Machado Rabelo, é válida para todo o território nacional.
A plataforma Blogger, infelizmente, não permite anexar arquivos em PDF ou Word. Seguem, abaixo, notícia do site do MPF/MG, a transcrição da liminar concedida e da ação.
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Justiça proíbe filme sérvio em todo o país
Decisão vale até que seja investigada suposta ocorrência de crime de pedofilia. Segundo o ECA, quem distribui ou exibe o filme também pode responder pelo crime
10/08/2011
Belo Horizonte. A Justiça Federal em Belo Horizonte proibiu nesta terça-feira, 09/08, a exibição do filme de terror sérvio “A Serbian Film” em todo o país. A proibição vale pelo menos até que a União, através do Ministério da Justiça, adote medidas administrativas junto aos órgãos competentes para verificar se o filme incorreu em algum dos crimes previstos pela Lei 11.829/2008.
A Lei 11.829/2008 modificou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para incluir a criminalização das condutas de quem produz ou distribui material contendo pedofilia. Pelo novo artigo 241-C, constitui crime, com pena de 1 a 3 anos, “simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual”.
Também fica sujeito às mesmas penas aquele que “vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material”.
Ao conceder a liminar, o juiz federal Ricardo Machado Rabelo afirmou que a “exibição comercial da película em apreço constitui a prática, em tese, do crime tipificado no art. 241-C da Lei 8.036/90", o que é suficiente para se determinar, com amparo no Poder Geral de Cautela previsto no art. 798 do CPC, a suspensão da exibição do filme em todo o território nacional.”
A decisão, em caráter liminar, foi pedida pelo MPF em ação cautelar ajuizada na segunda-feira (08).
Na sexta-feira passada, a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), órgão do Ministério da Justiça, informou a liberação do filme, com classificação indicativa de proibição para menores de 18 anos, revogando a suspensão que havia imposto em atendimento a uma recomendação anterior do Ministério Público.
Polêmica - O filme é uma produção sérvia que, segundo o jornal Folha de São Paulo (edição de 18/07), “por onde passou (ou tentou passar)”, “causou um grande barulho e chocou plateias e críticos”. Ainda segundo a Folha, “é o filme mais censurado dos últimos 16 anos no Reino Unido (só foi liberado para exibição após 49 cortes). Na Noruega, está vetado; na Espanha, rendeu um processo ao diretor do festival que o exibiu. Também teve problemas com a lei na Alemanha (onde o laboratório que fez as cópias as destruiu após se dar conta do conteúdo) e em seu país de origem, a Sérvia”.
Relatório técnico do Ministério da Justiça brasileiro descreve as inúmeras passagens do filme que retratam cenas de pedofilia, necrofilia, incesto, estupro, homicídios e violência exacerbada, geralmente associada ao sexo.
A cena mais polêmica, certamente, é aquela em que é filmado o parto natural de uma criança, que, imediatamente após o nascimento, é violentada por um homem.
No relatório de classificação, o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (DEJUS), vinculado à SNJ, registrou que o longa contém “violência repetida do tipo tortura, estupro, mutilação, abuso sexual, exploração sexual e suicídio” em 70 a 100% do material analisado; que “o sexo é associado com a promiscuidade” e “o estupro é apresentado como consequência da paixão de um personagem e não como crime”; que o “consumo repetido e contínuo de drogas ilícitas” está presente em 50 e 100% das cenas. O relatório também aponta o envolvimento de crianças e adolescentes em diversas cenas de conteúdo sexual”.
Equilíbrio entre princípios constitucionais - Para o procurador da República Fernando de Almeida Martins, a mera classificação indicativa do filme não é suficiente para dar cumprimento à legislação nacional: “a mesma Constituição Federal que veda a censura prévia aos meios de comunicação e às atividades artísticas e culturais estabelece que a produção e a programação das emissoras de rádios e televisão, e, por analogia, de qualquer outro meio de comunicação social, deve respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
“O controle sobre os meios de comunicação tem, portanto, fundamento, na mesma Constituição que garante a liberdade de expressão. Não existe liberdade absoluta e todo direito é passível de sofrer restrições. Restrições que são postas pelo próprio ordenamento jurídico”, diz o procurador.
O MPF ressalta ainda que o princípio da dignidade humana deve servir como fiel da balança para a definição do peso abstrato de cada princípio jurídico. “A exibição de cenas de simulação de sexo com recém-nascidos ou crianças viola diretamente o princípio da dignidade humana e o da moralidade, e admitir-se a sua exibição, como o fez a Secretaria Nacional de Justiça, chega a ser teratológico”.
Segundo Fernando Martins, o artigo 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente é claro ao tipificar o crime de pedofilia no ato de se produzir material utilizando crianças ou adolescentes em cenas de sexo explícito ou pornográfico, ainda que simuladas ou feitas por meio de adulteração, montagem ou qualquer tipo de modificação. “Diante disso, o Ministério da Justiça, órgão máximo do Poder Executivo responsável pelo resguardo às leis brasileiras, deveria de imediato ter determinado à Polícia Federal a instauração de inquérito para apurar a distribuição desse tipo de material em território brasileiro. Ao invés disso, liberou a exibição com a mera classificação indicativa. Quer dizer, se um cidadão qualquer distribui imagens simulando sexo com crianças, ele será acusado do crime de pedofilia; mas se o mesmo tipo de imagem fizer parte de um filme, então não há ilegalidade? O resultado disso é que, acaso configurado o crime de pedofilia, a União estaria, deliberadamente, permitindo a sua consumação. Infelizmente, não há outra leitura possível”.
Subversão da ordem lógica - O juiz federal também ficou perplexo com a postura da Secretaria Nacional de Justiça. Para ele, é estranho que a SNJ, “reconhecendo a possibilidade de existência de crimes relacionados a menores, relega o fato a um segundo plano e autoriza a exibição”, o que subverte “a ordem natural e lógica do que é razoável. Simultaneamente, viola a legalidade, pondo em risco iminente toda a sociedade”.
Ainda de acordo com o juiz Ricardo Machado Rabelo, pelo “princípio da supremacia do interesse público, não pode o Administrador relegar para o segundo plano a correta aplicação da lei, ou seja, deixar para examinar a legalidade do ato em outro momento que não aquele que atenda ao interesse público na sua plenitude. Ora, se determinado produto posto no mercado, ainda que proveniente do exercício constitucional da produção artística, pode em tese revelar um ilícito criminal, como nas hipóteses tipificadas como crimes na Lei nº 11.829/2008, deve a Administração ter o cuidado de examiná-las sob todas as categorias jurídicas e em toda a sua extensão, antes de liberá-lo aos consumidores”.
Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
(31) 2123.9008
No twitter: mpf_mg http://www.prmg.mpf.gov.br/imprensa/noticias/direitos-do-cidadao/justica-proibe-filme-servio-em-todo-o-pais
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DECISÃO DA 3ª VARA FEDERAL DE BELO HORIZONTE:
"O Ministério Público Federal ajuíza a presente Ação Cautelar, contra a União Federal, com amparo na Lei 7.347/85, que regulamenta a Ação Civil Pública, e também com base na Lei nº 8.078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor, objetivando resguardar a ocorrência de dano a milhares de brasileiros, ressaltando que, dentre sua competência constitucional, se inclui a proteção dos direitos individuais indisponíveis, difusos e coletivos da família e da criança.
Narra que foi instaurado, no âmbito da Procuradoria da República em Minas Gerais, o Inquérito Civil Público n.1.22.000.002267/2011-80, com o escopo de apurar eventual possibilidade de se proibir extrajudicialmente a veiculação, em todo o território nacional, do filme "A Serbian Film".
A investigação se deu em razão da exposição de cenas que simulam a participação de recém-nascido em cena de sexo explícito e pornografia e de outras em que se simula a participação de menores de idade em cenas de sexo explícito, dentre outras cenas de barbárie, selvageria e crueldade.
Aduz que a Procuradoria da República em Minas Gerais expediu recomendação à Secretaria Nacional de Justiça para que proibisse a exibição ou veiculação do "A Serbian Film" ou, alternativamente, suspendesse o processo de análise classificativa do referido filme, até que autoridade competente do executivo ou do judiciário se manifestasse sobre o tema.
Diz que, em resposta, o Secretário Nacional de Justiça informou que os órgãos a ele vinculados não têm competência para aferir o cometimento de crime e que não há competência estabelecida para regular a comercialização, proibir a veiculação, impedir acesso, cortar ou sugerir cortes em obras que classifica. No entanto, determinou a suspensão da classificação da obra até que a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça se pronunciasse sobre a recomendação.
Afirma que, em 05 de agosto de 2011, recebeu comunicação do CONJUR/MJ no sentido de que o Ministério da Justiça não tem competência para proibir filmes e que isto somente pode ocorrer por decisão judicial.
Argumenta que, no caso presente, a atuação jurisdicional estará suprindo a negação da proteção devida pela Administração às crianças e aos adolescentes.
Destaca, ainda, que a eventual proibição da obra cinematográfica em comento não constitui ofensa ao princípio constitucional da liberdade de expressão, pois a Constituição estabelece que a dignidade da pessoa humana deve ser assegurada e determina que a produção artística deve respeitar valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Salienta que o controle sobre os meios de comunicação tem fundamento na mesma Constituição que garante os direitos das crianças, dos adolescentes e dos consumidores e assegura os princípios da dignidade da pessoa humana e da moralidade.
Além disso, argumenta que a Administração Pública, ao permitir a exibição do filme em referência, estaria permitindo a prática do crime tipificado no art. 241-C da Lei 8.069/90. Com estes fundamentos, o MPF pede, em sede de liminar, que seja determinado à União Federal que proíba a veiculação e/ou a exibição do filme "A Serbian Film - Terror sem Limites", em todo o território nacional.
É o breve relatório. Decido.
Para deferimento da medida liminar, necessaria se faz a ocorrência simultânea dos requisitos consubstanciados no periculum in mora e no fumus boni juris.
Pois bem. O pedido cautelar formulado nos autos, de proibição da exibição no território nacional, do filme "A Serbian Film - Terror sem Limites" é a um só tempo delicado e instigante, pois exige do juiz o exame de normas e princípios constitucionais, os quais a princípio mostram-se conflitantes à vista da pretensão deduzida em juízo.
De um lado, com inegável intensidade e importância, despontam: o princípio que consagra a livre manifestação do pensamento, art.5º, IV, da CF e o que determina a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, art.5º, IX, da CF. Aliás, não são raras as vezes que o STF tem afirmado que no Brasil de hoje o que prevalece como regra matriz é a liberdade de expressão e pensamento, característica nuclear de Estado, como o nosso, que se proclama soberano, democrático e plural.
Do lado oposto, há o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, art.1°, III, da CF, e o que determina ao Estado, à família e a sociedade, o dever de assegurar aos jovens e adolescentes direitos fundamentais, básicos da pessoa humana, art. 229 da CF. Há também o que prestigia e ampara o consumidor, art.5º,XXX,II,CF.
Em casos assim, onde surge o conflito de normas de estatura constitucional, não absolutas, é verdade, deve o JUIZ examinar as peculiaridades, as circunstâncias de cada caso concreto e avaliá-las com redobrado cuidado.
Deve identificar os pontos de atrito, ou seja, de onde surge a tensão entre as normas. Somente assim o magistrado poderá formar adequadamente o seu convencimento, evitando ser atraído pelo subjetivismo e cair na vala da censura, odiosa prática administrativa, criada sob o manto da aparente legalidade no passado, que o legislador constituinte baniu do ordenamento nacional desde 1988, elevando o país à condição de Estado Democrático de Direito.
No caso, não há dúvida de que os termos da petição inicial e os documentos a ela anexados, impressionam e demonstram que algo de errado se passa com o filme "A Serbian Film". Algo que em um exame inicial se mostra excessivo, anormal ou em desconformidade com o ordenamento jurídico. Não se trata apenas de referências constantes à vilania ou crueldade do ser humano, truculência e cenas de sexo. Não é isto. Para essas situações, a Secretaria de Justiça, vinculada ao Ministério da Justiça, faz bem o seu papel ao proclamar a recomendação da faixa etária própria a cada filme. Ou seja, mesmo que certo filme seja constituído de cenas fortes de violência e sexo, mas não havendo atritos entre a liberdade de expressão e outros cânones constitucionais, o Estado age apenas de maneira preventiva, orientando a sociedade, a família, acerca das características da película e o limite etário que merece ser tutelado.
Digo que algo está estranho com o filme" A Serbian Film" em razão dos termos do parecer subscrito pelo Coordenador de Classificação Indicativa da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, mediante o qual aquela autoridade, reconhecendo a possibilidade de existência de crimes relacionados a menores, relega o fato a um segundo plano e autoriza a exibição, com a classificação de proibido para menores de 18 (dezoito) anos.
Assim está posto no aludido Parecer (f. 39/40 dos autos do Inquérito Civil Público 1.22.000.002267/2011/80, em apenso):
"De acordo com o relatório técnico e quadro resumo da análise, com exceção das menções a 'sexo explícito' constantes nos documentos, a obra apresentada não é do gênero pornográfico, mas apresenta uma ficção metalingüística, cuja trama explora os bastidores da produção de um filme supostamente pornográfico, que representa uma visão deturpada de estímulo sexual, em que atos bárbaros de violência são apresentados como manifestações artísticas com fins de estímulos sexuais.
Este vínculo complexo entre violência e sexo, envolvendo inclusive menores de idade (a filha adolescente de uma atriz de filme pornográfico, o filho criança do protagonista da obra e um recém-nascido), apresenta, por si só, a limitação de acesso da obra para menores de idade. No entanto, a informação de que o filme apresenta sexo explícito pode causar confusão e não ser a melhor forma de informar a sociedade sobre os conteúdos da obra em tela. Ao meu ver, as cenas realistas de práticas de sexo podem ser catalogadas como sexo explícito apenas se forem consideradas como simulações, ficando mais próximas de serem consideradas 'relações sexuais não-explícitas' agravadas com exposição de cena. Há de se expor, no entanto, que ambas as catalogações podem ser consideradas na faixa de classificação de 'não recomendada para menores de 18 anos'. Especificando o envolvimento dos menores de idade no filme, é
possível inferir que os mesmos são incluídos no filme de forma simulada, estando envolvidos na produção da obra em cenas de sexo explícito/pornografia não diretamente, mas através da metalinguagem apontada tanto no relatório técnico como no segundo parágrafo acima.
Este vínculo complexo entre violência e sexo, envolvendo inclusive menores de idade (a filha adolescente de uma atriz de filme pornográfico, o filho criança do protagonista da obra e um recém-nascido), apresenta, por si só, a limitação de acesso da obra para menores de idade. No entanto, a informação de que o filme apresenta sexo explícito pode causar confusão e não ser a melhor forma de informar a sociedade sobre os conteúdos da obra em tela. Ao meu ver, as cenas realistas de práticas de sexo podem ser catalogadas como sexo explícito apenas se forem consideradas como simulações, ficando mais próximas de serem consideradas 'relações sexuais não-explícitas' agravadas com exposição de cena. Há de se expor, no entanto, que ambas as catalogações podem ser consideradas na faixa de classificação de 'não recomendada para menores de 18 anos'. Especificando o envolvimento dos menores de idade no filme, é
possível inferir que os mesmos são incluídos no filme de forma simulada, estando envolvidos na produção da obra em cenas de sexo explícito/pornografia não diretamente, mas através da metalinguagem apontada tanto no relatório técnico como no segundo parágrafo acima.
Posto isto, sugiro que:
a) "A Serbian Film - Terror sem Limites" seja classificado como "não recomendada para menores de 18 anos", por apresentar estupro de crianças, banalização e glamourização da violência, crueldade e sexo;
b) que o processo, após publicação no Diário Oficial da União, seja encaminhado para os órgãos competentes para verificar a possível prática criminosa na exibição do filme, conforme o disposto na Lei 11.829, de 25 de novembro de 2008, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.036/90;
c) que no despacho de classificação indicativa a ser publicado no Diário Oficial da União conste que a decisão passará a entrar em vigor em trinta dias, a fim de que haja tempo hábil para ciência e manifestação dos órgãos competentes.
Junte-se ao processo administrativo matérias jornalísticas e noticiosas acerca da polêmica envolvendo o filme em outros países.
Encaminhe-se o presente Processo Administrativo ao Diretor Adjunto do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação."(negritei)."
Ora, tratando-se de um filme que traz consigo a marca da polêmica, já deflagrada inclusive em outros países, sobretudo em razão da alegada cena na qual um recém-nascido é violentado sexualmente, como afirmado na inicial, creio que a decisão da Administração de classificar e liberar a exibição do filme, ainda que elegendo um prazo de 30 (trinta) dias para que os órgãos competentes verifiquem a possível ocorrência de crime, subverte a ordem natural e lógica do que é razoável.
Simultaneamente, viola a legalidade, pondo em risco iminente toda a sociedade. Passados os 30 (trinta) dias e não feitos os controles devidos, o certo é que o filme estará disponível à coletividade.
Pelo princípio da supremacia do interesse público não pode o Administrador relegar para o segundo plano a correta aplicação da lei, ou seja, deixar para examinar a legalidade do ato em outro momento que não aquele que atenda ao interesse público na sua plenitude. Ora, se determinado produto posto no mercado, ainda que proveniente do exercício constitucional da produção artística, pode em tese revelar um ilícito criminal, como nas hipóteses tipificadas como crimes na Lei n° 11.829/2008, deve a Administração ter o cuidado de examiná-lo sob todas as categorias jurídicas e em toda a sua extensão, antes de liberá-lo aos consumidores. O direito à saúde, como é cediço, é multifacetado e está atrelado à dignidade do ser humano, sobretudo no que toca aos padrões de moralidade e bem-estar social. Daí emerge a fumaça do bom direito a autorizar agora a concessão do provimento liminar.
Por outro lado, caso não concedida a ordem neste momento, graves e irreversíveis serão os prejuízos causados à ordem jurídica, ao consumidor nacional, tendo em vista o fato de que o filme será encaminhado aos cinemas do país e exibido a toda a população.
De resto, cabe-me destacar que a concessão da liminar não se configura, como pode parecer à primeira vista, indevida intromissão do Poder Judiciário no modo de agir da Administração, o que consistiria em abominável ato de censura. Não. De forma alguma é o que estou fazendo. O provimento judicial constitui, outrossim, resposta a pedido de controle judicial, formulado por quem de Direito, no uso de competência constitucional, no âmbito de um processo cautelar, com razões juridicamente relevantes e cuja finalidade é tão somente resguardar a utilidade do provimento final a ser proferido na ação principal, isto é, na ação civil pública, instrumento jurídico de índole constitucional.
Nesses motivos, tenho para mim que a circunstância de que, ao menos em tese, a exibição comercial da película em apreço constitui a prática do crime tipificado no art. 241-C da Lei 8.036/90 é suficiente para se determinar, com amparo no Poder Geral de Cautela previsto no art. 798 do CPC, a suspensão da exibição do filme "A Serbian Film - Terror sem Limite" em todo território nacional, o que faço autorizado pelo art.l02 do Código de Defesa do Consumidor, até que a Ré adote as medidas administrativas cabíveis junto aos órgãos competentes para a verificação se o filme em questão incorre em alguma modalidade criminal a que se refere a Lei n° 11.829/2008, independentemente do prazo de 30 (trinta) dias, trazendo aos autos as manifestações definitivas das instâncias administrativas competentes.
Cite-se, pois, a Ré, intimando-a da presente decisão, para cumprimento imediato, sob pena de fixação de multa diária, e para juntar aos autos, no prazo de contestação, cópia integral do Processo Administrativo SNJ/DEJUS/COCIND 08017.002624/2011-55.
Em seguida, dê-se ciência ao MPF desta decisão.
Cumpra-se com urgência.
P.RJ.
Belo Horizonte, 09 de agosto de 2011.
Belo Horizonte, 09 de agosto de 2011.
RICARDO MACHADO RABELO
Juiz Federal da 3ª Vara - MG
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ÍNTEGRA DA AÇÃO CAUTELAR PROPOSTA PELO MPF:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no exercício de suas funções institucionais e com supedâneo no art. 127, caput, c/c art. 129, III, ambos da Constituição Federal, no art. 5º, III, “e” c/c art. 6º, VII, “c” e 39, II, todos da Lei Complementar n. 75/93, nas Leis n. 7.347/83 e n. 8.069/90 e no art. 796 e ss, do CPC, vem perante Vossa Excelência ajuizar a presente
AÇÃO CAUTELAR COM PEDIDO DE LIMINAR
contraUNIÃO, enquanto Ministério da Justiça, pessoa jurídica de direito público interno, que responde, nesta capital, por meio da Advocacia-Geral da União em Minas Gerais, na Av. Contorno n. 7.069, 11º andar, Bairro Santo Antônio, Belo Horizonte/MG, CEP: 31.110-110, na pessoa do Procurador-Chefe da União no Estado de Minas Gerais, pelas razões que passa a expor.
1. DOS FATOS
Instaurou-se, em 20 de julho do ano de 2011, no âmbito desta Procuradoria da República, em virtude da portaria de instauração n. 005/2011, o inquérito civil público n. 1.22.000.002267/2011-80 (DOC. 01), com o escopo de apurar eventual possibilidade de se proibir, extrajudicialmente, a veiculação, em todo o território nacional, do filme “A Serbian Film”. Susomencionado filme é uma polêmica produção sérvia a qual está chamando a atenção por tratar da indústria pornográfica e um dos seus sub-gêneros mais undergrounds, os “Snuff Movies”(tal sub-gênero compõe-se de filmes extremistas que introduzem o lado mais negro da alma humana, usando fetiches e crimes reais como atrativos). Para se ter uma ideia, há no longa metragem até mesmo cenas que simulam a participação de recém-nascido em cena de sexo explícito ou pornográfica, além das que mostram sexo explícito, crueldade, elogio/banalização da violência, necrofilia, tortura, suicídio, mutilação, agressão no ambiente familiar, dentre outras insanidades. Mencione-se, ainda, que, em alguns países da Europa (Itália, Grécia e França), a veiculação do filme foi proibida e que tem causado mal-estar onde conseguiu ser exibido. Por fim, a assessoria de comunicação do festival RioFan divulgou, em comunicado oficial, divulgado no sítio eletrônico do portal terra no dia 22.7.2011, que o longa teve que ser retirado da programação do evento graças a uma ordem emitida pela Caixa Econômica Federal, patrocinadora do evento.
Visando prevenir os efeitos deletérios/perniciosos que a veiculação do citado filme em todo o território nacional causaria à população brasileira (idosos, adultos, adolescentes e crianças), foi expedida recomendação (Recomendação n. 5/2011) à Secretaria Nacional de Justiça, na pessoa de seu Secretário, determinando-lhe que: a) proibisse, de imediato, a exibição/veiculação do filme “SERBIAN FILM” em todo o território nacional ou b) suspendesse, de imediato, a análise da classificação indicativa do filme “SERBIAN FILM” ou, se for o caso (se a análise já esteja concluída), a sua veiculação em todo o território nacional até que a autoridade competente, seja do executivo seja do judiciário, se manifestasse sobre o tema.
Em resposta, o Secretário Nacional de Justiça, via ofício 061/2011/SNJ-MJ, informou que a Secretaria Nacional de Justiça e o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação não têm competência institucional para aferir o cometimento de crime e que não há competência estabelecida para regular a comercialização, proibir a veiculação, impedir acesso, cortar ou sugerir cortes em obras que classifica. Sugeriu que este Parquet buscasse informações/explicações junto à Secretaria de Direitos Econômicos. Por fim, informou que suspendeu a classificação da obra até que a CONJUR/MJ se pronuncie a respeito dos demais aspectos da recomendação.
Frise-se apenas que a mera suspensão da classificação da obra é medida insuficiente já que não impede (por não ser pré-requisito indispensável), administrativamente, a veiculação do filme. Como mencionado pelo Secretário Nacional de Justiça, a classificação indicativa configura-se como “mera informação pública para abalizar a escolha dos pais e dos responsáveis por crianças e adolescentes acerca da melhor diversão para seus filhos, tutelados ou curatelados”.
No intuito de instruir os autos, oficiou-se ao Ministério da Justiça e ao da Cultura, assim como à ANCINE, requisitando informar se os respectivos órgãos/entidade teriam competência para, administrativamente, proibir a exibição do filme em todo o território nacional, sendo que em caso positivo, indicar qual a fundamentação legal para tal e em
caso negativo, indicar qual o órgão/entidade poderia fazê-lo.
Oficiou-se, também, ao Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação – DEJUS, do Ministério da Justiça, requisitando cópia do relatório técnico relativo à classificação indicativa do filme, assim como cópia, em mídia magnética, do longa metragem.
Em resposta, a Secretaria Nacional de Justiça – SNJ enviou a esta Procuradoria o relatório técnico relativo ao filme (processo n. 08017.002624/2011-55). Tal relatório descreve cenas do filme, indicando para cada qual, as tendências de indicação. Transcrevem-se algumas passagens nele descritas (a leitura de algumas delas chega a causar náuseas), ipsis litteris:
(...)
** NOTA DO BLOG: Por constituir uma descrição detalhada das chocantes cenas e considerando a possibilidade, em tese, de este blog poder ser acessado por crianças e adolescentes, decidi excluir este trecho da transcrição, em observância às garantias constitucionais e legais de proteção ao menor, que é absoluta.
Ainda no relatório técnico, explanaram-se aspectos temáticos, contextuais e informativos. Colaciona-os, verbis:
(...)
** NOTA DO BLOG: Por constituir uma descrição, ainda que superficial, das chocantes cenas e considerando a possibilidade, em tese, de este blog poder ser acessado por crianças e adolescentes, decidi excluir este trecho da transcrição, em observância às garantias constitucionais e legais de proteção ao menor, que é absoluta.
A obra, com conteúdos violentos e sexuais frequentes e exagerados pela composição de cena, EVOCA PEDOFILIA, O ESTUPRO, A NECROFILIA E O SEXO ASSOCIADO À VIOLÊNCIA COMO ASPECTOS INERENTES À VIDA HUMANA.” (grifos nossos)
Por fim, mister colacionar as justificativas adotadas pelo DEJUS para classificar a obra como “Não recomendada para menores de 18 anos”, verbis:
“3. Justificativa:
. violência repetida do tipo tortura, estupro, mutilação, abuso sexual, exploração sexual, suicídio
. proporção de outro tipo de conteúdo violento entre 70 e 100% do material analisado
. violência com requintes de crueldade
. proporção de conteúdo sexual ou com nudez entre 50 e 100% do material analisado
. apresenta cenas de sexo explícito
. há cenas de incesto
. o sexo é associado com a promiscuidade (várias relações com pessoas diferentes, em curtos espaços temporais)
. o estupro é apresentado como consequência da paixão de um personagem (sic) e não como um crime
. o estupro é apresentado como consequência do uso de drogas ilícitas e não como um crime
. há o envolvimento de crianças e adolescentes nas cenas de conteúdo sexual
. proporção do conteúdo envolvendo drogas entre 50 e 100%
. apresenta consumo repetido e contínuo de drogas ilícitas.” (grifos nossos)
Frise-se que, no dia 05.8.2011, este Signatário recebeu, via e-mail (cópia em anexo), notícia de que a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça entendeu que aquele Ministério não tem competência para proibir a veiculação de filmes e que tal proibição só poderia acontecer por decisão judicial. Em assim sendo, o DEJUS classificou o filme como “não recomendado para menores de 18 anos”.
Considerando-se o descalabro/insensatez/mau gosto/despropósito/barbaria/selvageria/crueldade das cenas que compõem o citado filme, em que se exibem cenas de extrema violência física e moral, inclusive, utilizando-se até de recém-nato, bem como a reticência do Ministério da Justiça em cumprir o quanto estabelecido na legislação correlata aos direitos dos consumidores/crianças e adolescentes, propõe-se a presente ação na esperança de que o Poder Judiciário afirme a função de guarda da Constituição e das leis no que concerne à proteção dos consumidores/crianças e adolescentes em todo o território brasileiro.
2. DO DIREITO
2.1. LEGITIMIDADE ATIVA
Ao Ministério Público compete a guarda dos direitos fundamentais positivados no Texto Constitucional, competindo-lhe também a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme determinam o art. 127 c/c art. 129, III, ambos da Constituição da República1.
A Lei Complementar nº 75/1995, por sua vez, em seus arts. 5º, III, e, 6º, VII, c, também estabelece a atribuição do Ministério Público da União para a defesa dos interesses difusos, bem como dos coletivos e individuais homogêneos, no caso os relativos à família, à criança, ao adolescente e ao consumidor2. Estatui o art. 39, II, que cabe ao MPF exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos órgãos da administração pública federal direta e indireta.
Ademais, o art. 102, da Lei 8.078/90 (CDC) preceitua que os legitimados a agir na forma do CDC poderão propor ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação distribuição ou venda, ou a determinar a alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal.
Por fim, a Lei da Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 – também atribui legitimidade ao Ministério Público Federal para ajuizar ação cautelar para os fins da lei, objetivando inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico3.
No presente caso, o Ministério Público Federal age em defesa de direitos constitucionais indivisíveis, titularizados por pessoas indeterminadas (milhares de consumidores brasileiros), ligadas por uma circunstância de fato (veiculação de filme), ou seja, direitos difusos, consoante reza o art. 81, § único, I, da Lei 8.078/90.
Inegável, pois, a legitimidade do Ministério Público para a propositura da presente ação.
É útil anotar, ainda, que a tutela coletiva mostra-se plenamente eficiente. É que, caso não fosse ajuizada a presente ação civil pública, diversas ações poderiam se multiplicar no país, gerando insegurança às relações jurídicas a serem construídas entre os interessados, bem como gerando o risco de decisões contraditórias.
2.2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA
Embora em tese seja co-legitimado ativo à propositura das ações civis públicas e coletivas, a Administração Pública Direta (ou/e Indireta) muitas vezes é diretamente responsável ou co-responsável pela prática de lesões a interesses transindividuais, e, portanto, nesses casos, será legitimada passiva para a ação de mesma natureza.
Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, no tocante à responsabilidade do Estado (Administração Pública Indireta), há três situações a considerar: a) casos em que o próprio comportamento do Estado gera o dano (conduta comissiva, geradora de responsabilidade objetiva); b) casos em que o Estado não causa o dano, mas se omite no dever que tinha de evitá-lo (conduta omissiva, geradora de responsabilidade subjetiva); c) casos em que o Estado não causa o dano, mas cria a situação propiciatória do dano (conduta de risco, geradora de responsabilidade objetiva).
Pois bem.
Segundo o art. 2º, II, c, 2., do Anexo I, do Decreto 6.061/2007, faz parte do Ministério da Justiça o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, vinculado à Secretaria de Direito Econômico – SDE. Por sua vez, prescreve o art. 17, do Anexo I, do Decreto 6.061/2007 caber à Secretaria de Direito Econômico exercer as competências estabelecidas nas Leis nos 8.078, de 11 de setembro de 1990 e, especificamente, dentre outras incumbências, promover as medidas necessárias para assegurar os direitos e interesses dos consumidores. Já o art. 19, do Anexo I, do Decreto 6.061/2007, determina que ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor cabe apoiar a Secretaria de Direito Econômico no cumprimento das competências estabelecidas na Lei no 8.078, de 1990.
Ora, se cabe à SDE, assim como ao DPDC, promoverem “as medidas necessárias para assegurar os direitos e interesses dos consumidores” e que o CDC expressamente estipula que “são direitos básicos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança” (art. 6º, I) e que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores” (art. 8º), como conceber que tais órgãos permitam a veiculação do filme em todo o território brasileiro considerando-se que as cenas de extrema violência física e moral podem provocar reações adversas, às vezes em cadeia, em pessoas sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade. Ora, segundo Dallari, "o conceito de saúde não implica apenas na ausência de doença - núcleo básico - mas também o completo bem estar físico, mental e social.4".
Ademais, o próprio Secretário Nacional de Justiça sugeriu que este Parquet buscasse informações/explicações junto à Secretaria de Direitos Econômicos – SDE, vinculada ao MJ.
Por fim, a Administração Pública deve, como se sabe, pautar-se pelo estrito cumprimento dos princípios elencados no art. 37, caput, da CF, dentre eles o da legalidade e o da moralidade. Caso se permitisse a veiculação do filme, a Administração Pública infringiria tanto o princípio da legalidade (arts. 17 e 19, do Anexo I, do Decreto 6.061/2007, art. 241-C, do ECA e arts. do CDC), quanto da moralidade (permitir a exibição ao grande público de um filme que contém cenas de extrema violência física e moral, inclusive cenas em que se simula a participação de recém-nascido em cena de sexo explícito ou pornográfica não implicaria ausência de conformidade com princípios éticos?). Isso sem falar que é princípio basilar da Administração Pública o da supremacia do interesse público sobre o privado (princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade e própria condição de sua existência). No caso em foco: interesse de toda a população brasileira em ter seus direitos fundamentais resguardados x interesse meramente econômico da distribuidora do filme em tê-lo veiculado em todo o país. Exatamente visando resguardar o interesse de toda a coletividade, há o poder de polícia o qual confere à Administração a imposição de limites ao exercício de direitos e de atividades individuais.
Por fim, mister mencionar que da leitura do Decreto n. Decreto 6.061/2007 não há nada que atribua à Secretaria Nacional de Justiça e ao Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação a competência para regular a comercialização, proibir a veiculação, impedir acesso ou cortar/sugerir cortes em obras específicas. E ao administrador é permitido fazer somente aquilo que está previsto na lei.
Ocorre que ao administrador não cabe seguir apenas citado princípio, mas também outros, tais como o da moralidade e o da supremacia do interesse público sobre o privado. Ademais, a Carta constitucional de 1988 fixou o princípio da dignidade da pessoa humana como um fundamento da República (CF, art. 1º, III). Disso decorre uma prevalência axiológica inquestionável sobre todas as demais normas da Constituição, que devem ser interpretadas invariavelmente sob a lente da dignidade da pessoa humana (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direito fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 124-5; e SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004, p. 110). Assim, é a própria dignidade da pessoa humana que deve servir de norte para a definição das diversas regras e dos diversos subprincípios estabelecidos no texto constitucional, funcionando como verdadeiro vetor interpretativo para a definição do âmbito de proteção de cada garantia fundamental. Mais do que isso: é também a dignidade da pessoa humana que deve servir como fiel da balança para a definição do peso abstrato de cada princípio jurídico estabelecido na Constituição Federal de 1988. Segundo Robert Alexy, a ponderação de valores deve ser conduzida à luz do exame (i) do peso abstrato dos princípios em conflito, (ii) da intensidade de interferência, no princípio oposto, que se faz necessária para a preservação da eficácia de um direito fundamental, e (iii) da confiabilidade das premissas empíricas, nas quais se fundam as afirmações a respeito da configuração de violação ou de promoção da efetividade de uma norma fundamental (ALEXY, Robert. On balancing and subsumption: a structural comparison, In: Ratio Juris, v. 16, nº 4, 2003, p. 433-449).
Ora, não obstante o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça – DEJUS, vinculado à SNJ, ter classificado a obra como “não recomendada para menores de 18 anos, haveria uma certa permissividade do administrador público caso se autorizasse (como de fato ocorreu) a exibição de um filme em que há até mesmo cenas de simulação de sexo com infante e recém-nascido, dentre outras barbaridades. Estaria infringindo, direta ou indiretamente, o princípio da dignidade da pessoa humana e o da moralidade.
Clarividente, pois, a legitimidade da União em atuar no polo passivo desta demanda. Susomencionados órgãos omitem-se e são coniventes ao não proibir, administrativamente, a veiculação do filme. Tal conivência/omissão não faz o menor sentido, sendo perversa a toda população brasileira, incluindo crianças e adolescentes.
2.3. DA EXTENSÃO SUBJETIVA DA COISA JULGADA
A solução do problema da coisa julgada foi uma das grandes dificuldades para instituir a defesa coletiva em juízo. De acordo com a teoria clássica, a coisa julgada significa a imutabilidade do que foi definitivamente decidido, limitadamente às partes do processo. Se a coisa julgada fica, porém, circunscrita às partes, então de que adiantariam as ações civis públicas e coletivas? Se a coisa julgada no processo coletivo ficasse classicamente limitada apenas às partes formais do processo onde foi proferida, então qualquer co-legitimado, que não tivesse participado do processo coletivo, poderia propor novamente a mesma ação, discutindo os mesmos fatos e fazendo o mesmo pedido. Se a coisa julgada no processo coletivo não ultrapassasse as barreiras formadas pelas próprias partes formais do processo de conhecimento, de que adiantaria formar-se um título executivo que não iria sequer beneficiar os lesados individuais, que não foram parte no processo?
Para resolver esses problemas atinentes à extensão subjetiva da coisa julgada, adveio a LACP e inspirou-se no modelo que já existia em nosso Direito e era aplicado em matéria das ações populares. Baseada, pois, no art. 18 da LAP, a redação originária do art. 16 da LACP previa que a sentença proferida em ação civil pública faria coisa julgada erga omnes, exceto se a ação tivesse sido julgada improcedente por falta de provas, caso em que outra ação poderia ser movida, sob idêntico fundamento, desde que instruída com nova prova.
Assim, em sua redação originária, a LACP mitigou a coisa julgada nas ações civis públicas e coletivas, de acordo com o resultado do processo (secundum eventus litis).
A redação originária do art. 16 da LACP sofreu, entretanto, uma alteração trazida pelo art. 2º da Lei nº 9.494/97, com o intuito de restringir o alcance da coisa julgada aos limites territoriais da competência do juiz prolator.
Essa alteração não foi originária do Congresso Nacional nem decorrente de regular projeto de lei do Poder Executivo. Ao contrário, a norma proveio da conversão em lei da Medida Provisória nº 1.570/97, que alterou um sistema que já vigia desde 1985 (LACP, art. 16) ou ao menos desde 1990 (CDC, art. 103), e, portanto, desantendido claramente o pressuposto constitucional da urgência, em matéria que deveria ser afeta ao processo legislativo ordinário e não à excepcionalidade da medida provisória.
Ademais, essa alteração não só foi infeliz como inócua. Na alteração procedida em 1.997 ao art. 16 da LACP, o legislador confundiu limites da coisa julgada (a imutabilidade erga omnes da sentença, ou seja, seus limites subjetivos, atinentes às pessoas atingidas pela imutabilidade) com competência territorial (que nada tem a ver com imutabilidade da sentença, dentro ou fora da competência do juiz prolator, até porque, na ação civil pública, a competência sequer é territorial, e sim funcional).
Além disso, a alteração procedida no art. 16 da LACP incidiu apenas sobre esta Lei, mas não alcançou o sistema do CDC. Ora, é de elementar conhecimento que é um só o sistema da LACP e do CDC, em matéria de ações civis públicas e coletivas, pois ambos os diplomas legais se interpenetram e se complementam, ensejando um todo harmônico (LACP, art. 21, e CDC, art. 90). Pois bem, de um lado, o CDC estende a competência territorial do juiz prolator a todo o Estado ou a todo o País, conforme se trate de dano regional ou nacional (art. 93, II); de outro lado, o CDC disciplina adequadamente a coisa julgada na tutela coletiva (art. 103) – e seus princípios aplicam-se não só à defesa coletiva do consumidor, como também à defesa judicial de quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, tenham ou não origem nas relações de consumo. Naturalmente, em face dessa conjugação de normas, restou ineficaz a alteração que o art. 2º da Lei 9.494/97 procedeu no art. 16 da LACP.5
Enfim, não é a imutabilidade erga omnes da coisa julgada que será nacional, regional ou local. A imutabilidade da coisa julgada, quando obtida em ação civil pública ou coletiva, sempre alcançará todo o território nacional enquanto decisão de soberania do Estado; o que poderá ter maior o menor extensão é o dano, que, este sim, poderá ser nacional, regional ou apenas local.
“Processo civil e direito do consumidor. Ação civil pública. Correção monetária dos expurgos inflacionários nas cadernetas de poupança. Ação proposta por entidade com abrangência nacional, discutindo direitos individuais homogêneos. Eficácia da sentença. Ausência de limitação. Distinção entre os conceitos de eficácia da sentença e de coisa julgada. Recurso especial provido.
- A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inócua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.
- O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses.
Recurso especial conhecido e provido.” (grifos nossos)
Ademais, não faz o menor sentido proibir a exibição do filme somente “nos limites da competência territorial do órgão prolator” se o mesmo será exibido em todo o Brasil com ofensa, por conseguinte, à dignidade de toda a população brasileira e não somente à população da competência territorial do órgão prolator.
2.4. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A Justiça Federal é competente para julgar as causas que envolverem interesses da União, autarquia ou empresa pública federal, seja na condição de autora, ré ou terceiro interessado, conforme preleciona o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal7, in verbis:
Desse modo, não há dúvidas de que a Justiça Federal é competente para processar e julgar o feito, uma vez que, em razão da natureza dos réus, é atraída a competência originária definida na Carta Maior.
2.5. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL EM MINAS GERAIS
Estabelece expressamente a regra do art. 93 da Lei 8.087/90 a competência do foro da Capital do Estado (ou do Distrito Federal ) nas causas em que se discute dano ou perigo de dano de âmbito nacional.
Toda a população brasileira, consumidores em potencial, inclusive a mineira, faz parte do universo de pessoas que serão atingidas caso o filme seja veiculado, razão mais que suficiente para firmar a competência dessa seção judiciária.
2.6. DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL EM CASO DE OMISSÃO OU ATUAÇÃO INADEQUADA DA ADMINISTRAÇÃO.
Além de o juiz ter que interpretar as regras processuais segundo o direito fundamental do consumidor, cabe-lhe, ainda, dar efetividade às normas de proteção em caso de omissão ou atuação inadequada da administração pública. Basicamente porque o dever de proteção não recai somente sobre a administração, mas também sobre o juiz.
Não há razão para imaginar que o juiz, no caso, estará ocupando o espaço da Administração. Quando se confere à Administração o poder de atuar as normas de proteção, isso é feito para otimizar a tutela do consumidor, a partir da suposição de que a melhor política de prevenção contra os abusos do fornecedor deve priorizar o controle administrativo. Portanto, quando se dá à administração o poder de exercer a tutela preventiva, pretende-se apenas outorgar maior efetividade à prevenção. Isso significa, como é fácil perceber, que o controle administrativo é privilegiado em atenção aos direitos do consumidor, e não com o intuito de afastar o exercício do controle jurisdicional.
Assim, não há como pensar que o juiz não pode atuar para evitar a violação da norma, ou mesmo para remover o ilícito continuado que contra ela foi praticado, quando a administração for omissa ou ineficiente. Nessa situação, a jurisdição estará suprindo a negação da proteção devida pela administração.
“(...) o Poder Judiciário passou a exercer um papel importante nos últimos anos, principalmente em temas ligados ao conteúdo da mídia, devido ao fato de estar sendo provocado com frequência pelos ministérios públicos federal e estaduais. Este sim vem ocupando um papel de destaque quanto ao acompanhamento do conteúdo das concessionárias de televisão, com seus procuradores propondo ações como a recente suspensão da exibição de programas que atentam contra os direitos humanos ou que exibem conteúdos inadequados para determinados horários da programação”. (p.98)
2.7. DO DEVER CONSTITUCIONAL/LEGAL DE PROTEÇÃO ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES:
A ordem jurídica brasileira consagra um amplo sistema protetivo das crianças e adolescentes.
A Constituição da República considera a proteção integral da criança um direito social (art. 6º, caput). Já o art. 227, recentemente alterado pela Emenda Constitucional n. 65/2010, reza que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
A seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente, visando fazer valer susomencionada proteção, dispõe que:
- A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (art. 3º)
- É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (art.4º)
- A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (art. 7º)
- O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. (art. 17)
- É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.
- A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados. A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei. (arts. 71 a 73)
2.8. DA PROIBIÇÃO DA VEICULAÇÃO DE OBRA CINEMATOGRÁFICA SEM PREJUÍZO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A mesma constituição Federal que veda a censura prévia aos meios de comunicação e às atividades artísticas e culturais em geral (art. 5º, inc. IX e art. 220, § 1º e § 2º) estabelece que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão (e por analogia/interpretação sistemática/teleológica), de qualquer meio de comunicação social) atenderão ao seguinte princípio, dentre outros: respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. A Constituição estabelece ainda que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
O controle sobre os meios de comunicação tem, portanto, fundamento na mesma Constituição que garante a liberdade de expressão. Nenhum conflito existe aí, pois todo direito é passível de sofrer limitações, e nenhuma liberdade é absoluta para ser exercida a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias.
Convém salientar que a presente ação não tem por fim limitar o exercício de direitos fundamentais. Restou sobejamente demonstrado na peça exordial que há, em nosso ordenamento jurídico, diversos dispositivos – constitucionais, por excelência - que estabelecem limites expressos ao exercício da liberdade econômica, na medida que exigem o respeito aos valores fundamentais da pessoa humana (art.1º, inciso III da CR/88), aos valores éticos da pessoa e da família (art. 221, IV da CR/88), dentre outros.
Outrossim, por aplicação do princípio da proporcionalidade, impõe-se que a liberdade econômica, intelectual e de produção devem ser direcionadas para produção de efeitos benéficos à coletividade. A partir do momento em que há um rompimento desse equilíbrio, o exercício de referida liberdade passa a constituir-se abuso de direito, a ser reprimido pela ordem jurídica.
O objetivo que se busca nesta ação não representa, de forma alguma, manifestações intoleráveis de censura, porque visam a assegurar a tutela dos direitos e garantias fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito, com a devida proteção das livres expressões de pensamento e atividade intelectuais, artística, científica e de comunicação.
João Guimarães Júnior afirma que nos Estados Unidos, onde a liberdade de expressão goza de proteção constitucional há mais de dois séculos, a Suprema Corte estabeleceu uma distinção entre a manifestação protegida e a não protegida: obscenidade, lascívia, calúnia, palavras agressivas e incitação à violência não estão protegidos porque tais expressões não são parte essencial de qualquer exposição de idéias, e são de tão irrelevante virtude social que eventual benefício que puderem delas decorrer será facilmente ultrapassado pelo interesse social na ordem e na moralidade (Chaplinsky v. New Hampshire).9
No Brasil existe uma preocupação com o tipo de mensagem que merece proteção, pois a Constituição Federal ao vedar “toda e qualquer censura”, refere-se expressamente à “censura de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, § 2º).
É certo, pois, que a proibição de veiculação de obra cinematográfica não é incompatível com a liberdade de expressão. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a premissa de que “a Constituição de 1988 em seu artigo 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição, observado o que nela estiver disposto”. Admitiu, todavia, “limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas”, desde que a restrição esteja “explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição” (ADI N. 869-DF).
Importante ressaltar neste tópico excelente estudo desenvolvido por EDGARD REBOUÇAS10, doutor em Comunicação Social, no qual sustenta que “o debate em torno do estabelecimento (ou não) de políticas públicas para o setor de comunicações está ligado a interesses e pressões de quatro atores sociais: o Estado, o empresariado da mídia, a sociedade civil organizada e os intelectuais/especialistas”. (p.95)
Segundo narra, o setor que mais se destaca é aquele vinculado aos interesses das empresas de comunicações, agências de publicidade e anunciantes – os auto-intitulados “donos” da mídia.(p.95)
É neste contexto pintado pelos especialistas que se busca a proteção integral da criança e do adolescente, sem menosprezar o relevantíssimo papel da televisão, da internet, do rádio e de todo meio de comunicação como veículos de informação, de entretenimento, de lazer, de cultura, de criação e realização de sonhos. Mas é preciso exigir uma responsabilidade do atores sociais – setor empresarial e Estado – exatamente para atingir níveis de qualidade na formação da massa de crianças e adolescentes.
Se é certo que o direito de informar, considerado o que prescreve o art. 220 da Carta Política, tem fundamento constitucional (HC 85.629/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE), não é menos exato que o exercício abusivo da liberdade de informação, que deriva do desrespeito aos vetores subordinantes referidos no § 1º do art. 220 da própria Constituição, “caracteriza ato ilícito e, como tal, gera o dever de indenizar”, consoante observa, em magistério irrepreensível, o ilustre magistrado ENÉAS COSTA GARCIA (“Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação”, p. 175, 2002, Editora Juarez de Oliveira), inexistindo, por isso mesmo, quando tal se configurar, situação evidenciadora de indevida restrição à liberdade de imprensa, tal como pude decidir em julgamento proferido no Supremo Tribunal Federal, verbis:
“LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO. SITUAÇÃO DE ANTAGONISMO ENTRE O DIREITO DE INFORMAR E OS POSTULADOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INTEGRIDADE DA HONRA E DA IMAGEM. A LIBERDADE DE IMPRENSA EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS, QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO, PELO MÉTODO DA PONDERAÇÃO CONCRETA DE VALORES. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA LIBERDADE DE INFORMAR, DE QUE RESULTE INJUSTO GRAVAME AO PATRIMÔNIO MORAL/MATERIAL E À DIGNIDADE DA PESSOA LESADA, ASSEGURA, AO OFENDIDO, O DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL, POR EFEITO DO QUE DETERMINA A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CF, ART. 5º, INCISOS V E X). INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE INDEVIDA RESTRIÇÃO JUDICIAL À LIBERDADE DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 52 E DO ART. 56, AMBOS DA LEI DE IMPRENSA, POR INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. AMPLA REPARABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME SOBERANO DOS FATOS E PROVAS EFETUADO PELO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REVISÃO EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
- O reconhecimento ‘a posteriori’ da responsabilidade civil, em regular processo judicial de que resulte a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem da pessoa injustamente ofendida, não transgride os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em cláusula expressa (CF, art. 5º, V e X), a reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de informação. Doutrina.
- A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimador de sua prática, a necessária observância de parâmetros – dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade – expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto. Doutrina. (...).”
(AI 595.395/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Assim, o fato de ter o diretor do filme afirmado que “o filme é uma metáfora sobre o sofrimento do próprio país [Sérvia]”, de modo algum, justifica o seu conteúdo.
2.9. DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, BEM COMO DO CIDADÃO EM GERAL, ENQUANTO CONSUMIDORES. DA CONFORMAÇÃO DO PROCESSO E O CONTROLE JURISDICIONAL A PARTIR DO DEVER ESTATAL DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR
O consumidor, sua proteção e enquadramento na ordem econômica estão situados em diversos dispositivos constitucionais. A defesa do consumidor assume uma feição de garantia fundamental no artigo 5º, inciso XXXII, o qual determina que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Este artigo visualiza o consumidor enquanto individualidade e não como um complexo difuso de pessoas. A defesa do consumidor, de acordo com ele, deverá ser executada por todos os entes federativos.
A norma prevista em tal artigo é, segundo a classificação sugerida por José Afonso da Silva, uma norma constitucional de eficácia limitada declaratória de princípios programáticos11. Normas programáticas são para o emérito doutrinador aquelas que “através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programa das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”12.
Tais normas vinculam a atividade dos poderes ou funções constitucionais, possuindo um mínimo de eficácia, capaz de tornar inconstitucionais todas as normas que atentem contra suas disposições.
A defesa do consumidor é, ainda, um princípio da ordem econômica brasileira, segundo o artigo 170, inciso V, da Constituição Federal. Trata o dispositivo dos consumidores enquanto um complexo difuso. O princípio de proteção do consumidor funcionará de forma coadjuvada com os demais princípios, de maneira a tornar possível uma maximização dos benefícios gerados da correlação entre a economia de mercado e a valorização do trabalho humano.
Atua o princípio da defesa e proteção ao consumidor em dois campos diversos mas afins, em relação ao Estado e aos agentes econômicos privados. Em relação ao Estado, o princípio impõe uma atuação positiva e uma atuação negativa ou omissiva. Quanto à última, quer dizer que o Estado, na figura de seus três poderes ou funções, legislativo, executivo e judiciário, compreendendo todos os entes federativos, deverá abster-se de implementar políticas econômicas que fragilizem ou prejudiquem a defesa do consumidor, sendo que, caso o façam, suas deliberações serão inconstitucionais.
A influência positiva e a negativa do princípio de defesa do consumidor é bem sintetizada por Fábio Konder Comparato:
“de um lado não pode o legislador, ou a administração pública, editar norma conflitante com o objetivo do programa constitucional. De outro lado, os poderes públicos têm o dever de desenvolver esse programa, por meio de uma ação coordenada”13.
Os agentes privados no exercício da atividade econômica deverão se submeter à normatividade do direito do consumidor sempre atendendo aos seus princípios e regras.
Todas as iniciativas do Estado em prol do consumidor fazem parte de uma política econômica voltada a compensar a sua vulnerabilidade nas relações de consumo com uma normatividade protetora.
São fundamentos da política nacional de consumo o respeito à dignidade, segurança e saúde do consumidor, assim como a proteção dos seus interesses econômicos.
A vulnerabilidade do consumidor, mais uma vez, é ressaltada, constituindo um dos princípios da política de consumo. O princípio da vulnerabilidade é irrefutável, não podendo nunca ser afastado na relação de consumo e na configuração das políticas de consumo.
Direitos básicos do consumidor são os direitos elementares do consumidor, é o campo mínimo de direitos que deve ele possuir, o que de forma alguma deve restringir outros. Pelo contrário, os direitos básicos, por estarem ligados aos pilares do direito do consumidor, podem especificar-se ou originar outros direitos.
Voltairie de Lima Morais, citado por James Marins, define os direitos básicos da seguinte maneira:
“por direitos básicos do consumidor deve-se entender o conjunto de normas que tutelam os interesses fundamentais de toda pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço na condição de destinatário final, no plano material e instrumental”14.
Estabelece-se uma ligação de extrema relevância entre interesses fundamentais e direitos básicos. Pode-se dizer que os interesses fundamentais são os direitos básicos. Os interesses fundamentais do consumidor não dizem respeito a uma pessoa determinada, atrelam-se de modo difuso entre todos os consumidores.
A proteção da saúde e da segurança do consumidor está afeta ao respeito à dignidade humana. Foram eles consagrados como alguns dos pilares fundamentais que sustentarão a disciplina das relações de consumo.
Parra Lucan, citada por James Marins, afirma:
“En última instancia la protección de la salud y la seguridad de los consumidores es un colorario del proprio derecho a la vida (y a la integridad física) de la persona humana, reconocido en los textos internacionales y constitucionales de nuestro entorno”15.
O elo entre saúde e segurança é de grande importância, envolvendo ambos os conceitos e, de certa forma fazendo com que o conceito de segurança englobe o de saúde, sob o aspecto do direito do consumidor. De fato, o produto que se configure como nocivo à saúde do consumidor ocasionará que torne-se insegura sua utilização.
A saúde é um direito absoluto, cujos titulares são todos os seres humanos, possuindo aspecto de direito difuso. Por ser exigível perante o Estado brasileiro, sendo dever deste prestar um serviço de saúde eficiente e de qualidade, configura-se como direito público subjetivo, ou seja, cada um de seus titulares pode exigir do Estado sua implementação. Prendendo-se a saúde à própria manutenção da vida humana, possui ela extrema relevância pública, o que a torna um direito indisponível e irrenunciável por parte de seus titulares.
Segundo Dallari, "o conceito de saúde não implica apenas na ausência de doença - núcleo básico - mas também o completo bem estar físico, mental e social"16.
Como alhures mencionado, se cabe à SDE, assim como ao DPDC, promoverem “as medidas necessárias para assegurar os direitos e interesses dos consumidores” e que o CDC expressamente estipula que “são direitos básicos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança” (art. 6º, I) e que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores” (art. 8º), como conceber que tais órgãos permitam a veiculação do filme em todo o território brasileiro considerando-se que as cenas de extrema violência física e moral podem provocar reações adversas, às vezes em cadeia, em pessoas sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade.
2.10. DO PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO DOS INTERESSES E DO NÚCLEO ESSENCIAL DO DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Constituição brasileira em vigor caracteriza-se como um típico compromisso entre forças políticas divergentes, que em 1988 se uniram para definir um destino coletivo em comum (A respeito das diferentes forças políticas que atuaram na assembléia constituinte de 1987-88, cf. PILATTI, Adriano. A constituinte de 1987-1988 – progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008), balizando a atuação dos poderes políticos através das regras e dos princípios definidos no pacto constitucional. Trata-se de compromisso porquanto a base plural da sociedade, no momento constituinte, assinalava relevância a valores díspares, sem uma univocidade ideológica, provocando a convivência, por exemplo, da liberdade de expressão (CF, art. 5º, IV) e do direito à intimidade (CF, art. 5º, X), da proteção do consumidor (CF, art. 5º, XXXII, e art. 170, V) e do princípio da livre iniciativa (art. 170, caput), e de muitos outros casos mais.
A finalidade por detrás deste pacto político abrangente, como explicita o art. 3º do texto Constitucional, consiste em conduzir o Estado brasileiro à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional de forma a erradicar a pobreza, a marginalização e a reduzir as desigualdades sociais e regionais, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º, inc. I a IV). É justamente na concretização de tais metas, porém, que o caráter compromissório da Carta de 1988 se mostra mais evidente, porquanto no caminhar para atingir tais desideratos podem entrar em rota de colisão valores igualmente caros ao texto constitucional.
Nesses casos, que sob um primeiro ângulo poderiam ensejar verdadeiras arbitrariedades pelo intérprete, ao optar, em voluntarismo, pela norma que lhe parecesse merecedora de maior prestígio, impõe-se, como ensina a novel teoria da interpretação constitucional, a harmonização prudencial e 1a concordância prática dos enunciados constitucionais em jogo, a fim de que cada um tenha seu respectivo âmbito de proteção assegurado, como decorrência do princípio da unidade da Constituição (BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2005, p. 32; BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo – os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, São Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 302-4; e GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 166). Em outras palavras, cabe ao intérprete conciliar as normas constitucionais cujas fronteiras não se mostram nítidas à primeira vista, assegurando a mais ampla efetividade à totalidade normativa da Constituição, sem que qualquer de seus vetores seja relegado ao vazio, desprovido de eficácia normativa.
Todo esse caminho lógico a ser percorrido para a harmonização de comandos normativos indicando soluções opostas demanda do aplicador da Constituição a reconstrução do sistema de princípios e de regras exposto no seu texto, guiado por um inafastável dever de coerência (NETO, Cláudio Pereira de Souza. Ponderação de princípios e racionalidade das decisões judiciais: coerência, razão pública, decomposição analítica e standards de ponderação, In: Constitucionalismo democrático e governo das razões, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, p. 144-7). E é somente quando essa tentativa de definição dos limites próprios a cada norma fundamental se mostrar infrutífera, já que sobrepostos os respectivos âmbitos de proteção, que cabe ao intérprete fazer o uso da técnica da ponderação de valores, instrumentalizada a partir do manuseio do postulado da proporcionalidade (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 163 e segs.), a fim de operar concessões recíprocas, tanto quanto se faça necessário, entre os enunciados normativos em jogo, resguardado, sempre, o núcleo essencial de cada direto fundamental (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006, p. 297-382). E por não ser lícito, mesmo nessas hipóteses, a ablação da eficácia, em abstrato, das normas constitucionais, o resultado do método ponderativo há de ser o estabelecimento de uma relação de precedência condicionada (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, Madrid: Centro de Estudios constitucionales, 1993, p. 92) entre os princípios em jogo, identificando-se o peso prevalecente de uma das normas com o devido balizamento por parâmetros (standards) interpretativos que reduzam a arbitrariedade e estimulem a controlabilidade intersubjetiva do processo decisório.
Entra aí o que mencionado alhures no sentido de que, como a Carta constitucional de 1988 fixou o princípio da dignidade da pessoa humana como um fundamento da República (CF, art. 1º, III), há uma prevalência axiológica inquestionável sobre todas as demais normas da Constituição, que devem ser interpretadas invariavelmente sob a lente da dignidade da pessoa humana (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direito fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 124-5; e SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004, p. 110). Assim, é a própria dignidade da pessoa humana que deve servir de norte para a definição das diversas regras e dos diversos subprincípios estabelecidos no texto constitucional, funcionando como verdadeiro vetor interpretativo para a definição do âmbito de proteção de cada garantia fundamental. Mais do que isso: é também a dignidade da pessoa humana que deve servir como fiel da balança para a definição do peso abstrato de cada princípio jurídico estabelecido na Constituição Federal de 1988. Segundo Robert Alexy, a ponderação de valores deve ser conduzida à luz do exame (i) do peso abstrato dos princípios em conflito, (ii) da intensidade de interferência, no princípio oposto, que se faz necessária para a preservação da eficácia de um direito fundamental, e (iii) da confiabilidade das premissas empíricas, nas quais se fundam as afirmações a respeito da configuração de violação ou de promoção da efetividade de uma norma fundamental (ALEXY, Robert. On balancing and subsumption: a structural comparison, In: Ratio Juris, v. 16, nº 4, 2003, p. 433-449).
Haveria permissividade do administrador público caso se autorizasse a exibição de um filme em que há até mesmo cenas de simulação de sexo com infante e recém-nascido, dentre outras barbaridades. Estar-se-ia infringindo, diretamente, o princípio da dignidade da pessoa humana e o da moralidade.
Assim, conforme alhures mencionado, o fato de ter o diretor do filme afirmado que “o filme é uma metáfora sobre o sofrimento do próprio país [Sérvia]”, de modo algum, justifica o seu conteúdo.
2.11. DO FATO TÍPICO
Estatui o art. 241-C, da Lei 8.069/90, verbis:
“Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo”. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) (grifos nossos)
Como já dito, há cenas no filme em que se simula a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica. Ora, como admitir que a Administração Pública permita a prática de crimes???? Em última instância, a União estaria, deliberadamente, permitindo a consumação do crime de pedofilia. Como é que a Polícia Federal poderia dar início a qualquer inquérito ou pedido de prisão pela prática do crime mencionado com a permissão do Ministério da Justiça?
Inconcebível tal hipótese!! Chega a ser, data maxima venia, teratológico!!
2.12. DA LIMINAR
Prescreve o art. 4º, da Lei 7.347/85 que “poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”. Já o art. 19 da LACP estipula que “aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil (…) naquilo que não contrarie suas disposições”.
Já o art. 804, do CPC estatui que “é licito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a mediada cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz (…).”
É exatamente a situação ora em exame. Devido à renitência da União, enquanto Ministério da Justiça em impedir a veiculação do filme em todo o território nacional, a não concessão da liminar comprometeria a eficácia da medida pleiteada. A demora na concessão da medida implica evidente prejuízo a toda a população brasileira, razão pela qual aplica-se o entendimento firmado na jurisprudência do STJ, segundo o qual “Justifica-se a concessão de medida liminar inaudita altera pars ainda quando ausente a possibilidade de o promovido frustar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente (RSTJ 47/517)” (grifos nossos)
Por outro lado, evidente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 798, CPC) no caso em comento (periculum in mora). Conforme mencionado alhures, este Signatário recebeu, via e-mail (cópia em anexo), notícia de que a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça entendeu que aquele Ministério não tem competência para proibir a veiculação de filmes e que tal proibição só poderia acontecer por decisão judicial. Em assim sendo, o DEJUS classificou o filme como “não recomendado para menores de 18 anos”. OU SEJA, O FILME PODERÁ SER EXIBIDO EM TODO O BRASIL A QUALQUER MOMENTO, até mesmo porque, consoante documento de f. 30 do ICP n. 1.22.000.002267/2011-80, o filme “A Serbian Film – Terror sem Limites” teria estreia prevista para o dia 05.8.2011 (a informação é da própria distribuidora do filme no Brasil – Petrini Filmes – CNPJ 12.615.800/0001-04), fato que não ocorreu apenas pela suspensão da análise da classificação indicativa do filme. Como não se manteve a suspensão.........
Por fim, a plausibilidade jurídica das alegações é hialina, devido a toda a argumentação expendida na inicial.
Iminente, pois, por tudo o que foi relatado nesta inicial, a necessidade de se proibir a veiculação do filme em todo o território nacional.
Diante disso, requer o Ministério Público Federal que Vossa Excelência, liminarmente (inaudita altera pars):
1. condene a União, enquanto Ministério da Justiça, à obrigação de fazer consistente em proibir a veiculação/exibição do filme “A Serbian Film – Terror sem Limites” em todo o território nacional, sob pena de imputação aos responsáveis legais de ato de improbidade administrativa (art. 11, caput e inciso II, da Lei n. 8429/92) e de crime funcional (art. 10 da Lei n. 7.347/85 c/c art. 319 do Código Penal)
3. DOS PEDIDOS
Em face do exposto, requer o Ministério Público Federal:
a) o recebimento e a autuação da presente ação;
b) a manutenção dos pedidos pleiteados em sede liminar;
c) a citação da Ré, na pessoa de seu representante legal, no endereço que consta de suas qualificações, para, querendo, contestar a presente ação e acompanhá-la em todos os seus termos, até final procedência, sob pena de revelia e confissão;
d) a fixação da abrangência territorial da decisão em ÂMBITO NACIONAL;
e) a condenação da Ré nos ônus da sucumbência.
Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins meramente fiscais, deixando de recolher custas em razão da isenção prevista no art. 4º, inciso III, da Lei 9.289/96.
Termos em que, pede e espera deferimento.
Belo Horizonte, de de 2011.
FERNANDO DE ALMEIDA MARTINSProcurador da República
1 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(...)
III - a defesa dos seguintes bens e interesses:
(...)
e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso.
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
(...)
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor. (grifos nossos)
3 Art. 4º Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
4 - DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Junho 1988. p.277.
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (grifos nossos)
8 REBOUÇAS, Edgard. O discurso/escudo da liberdade de expressão dos “donos” da mídia. Classificação Indicativa no Brasil: desafios e perspectiva/ José Eduardo Elias Romão...[et al.]. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça,2006. p.95-106.
10 REBOUÇAS, Edgard. O discurso/escudo da liberdade de expressão dos “donos” da mídia. Classificação Indicativa no Brasil: desafios e perspectiva/ José Eduardo Elias Romão...[et al.]. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça,2006. p.95-106.
11 - SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p.178.
13 - COMPARATO, Fábio Konder. A proteção ao consumidor na Constituição Brasileira de 1988.Revista de Direito Mercantil, n.80, 1990. p.72.
14 - MORAIS, Voltairie de Lima. Comentários ao Código do Consumidor. Coordenação de José Cretella Júnior e René Ariel Dotti, Rio de Janeiro: Forense, 1992. P.35; apud MARINS, James. Op. cit. p.47.
15 - M. A Parra Lucan, Daños por Productos y Protección del Consumidor, p. 27, Bosch Editor, Barcelona, 1990. Apud MARINS, James. Op. cit. p.50.
16 - DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Junho 1988. p.277.
Dra.:
ResponderExcluirCumprimento-a por abrir espaço no seu blog para tão relevante tema. Precisamos criar uma frente de proteção às nossas crianças e adolescentes, e a meu sentir o MP, no que tange a este assunto tem um papel preponderante, diria até doutrinador de conduta social. A par da minha admiração, parabenizo-a pela escolha do tema.
Abraços
Márcio L. Pinto
Advogado
twitter.com/marciolpinto