quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

STF x CNJ




Ao término do ano judiciário (na área federal há recesso de 20/12 a 6/1), duas decisões proferidas em sede de liminar (ou seja, provisórias - valem até que o colegiado julgue o caso) detonaram o impecável trabalho realizado pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça, esvaziando suas atribuições e, especificamente, as de sua Corregedoria Nacional.

Em dezembro de 2004, a Emenda Constitucional nº 45 criou dois órgãos de controle externo, cada qual para uma das carreiras parelhas e isonômicas: Judiciário e Ministério Público.

O CNJ foi instalado em junho de 2005 e é, por definição constitucional, o órgão de controle externo do Poder Judiciário (o CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público, é o congênere equivalente para o MP e foi instalado no mesmo mês).

Cabe ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura (Lei Complementar 35/79). Está tudo no artigo 103-B da Constituição Federal.

Dentre estas atribuições, estão as de :

- apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

- receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa.


Pois bem. A primeira decisão, do Ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu investigações que estavam em curso, incluindo a que envolve o Tribunal de Justiça de São Paulo, onde o Ministro Lewandowski e o Presidente do STF Ministro Cezar Peluso trabalhavam antes de serem nomeados para o STF. O ponto central dessa ação é o de que o CNJ não poderia ordenar a quebra de sigilo bancário dos magistrados.

A segunda decisão, proferida pelo Ministro Marco Aurélio,  suspendeu diversos dispositivos de uma Resolução do CNJ que uniformiza normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados e reiterou entendimento, manifestado pelo Ministro em julgamentos anteriores, no sentido de que o CNJ só pode atuar subsidiariamente em matéria disciplinar. Vale dizer, a Corregedoria Nacional não poderia, originariamente, abrir processos contra magistrados.

O blog analisou essa ação, ajuizada pela AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, no post  
"Em defesa do CNJ" - http://janiceascari.blogspot.com/2011_09_01_archive.html


As duas decisões, ambas proferidas no último dia útil do ano judiciário, esvaziam e enfraquecem mortalmente - ainda que provisoriamente - as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle externo que tem prestado relevante serviço à sociedade no sentido de tornar o Poder Judiciário menos opaco, mais transparente, menos corporativista, mais incisivo quanto à conduta disciplinar dos magistrados. Reduzem o CNJ a mero enfeite administrativo, ao retirar do órgão de controle externo o seu poder de controle.

Este blog, mais uma vez, declara seu humilde apoio ao CNJ e solidariedade à atual Corregedora Nacional, Ministra Eliana Calmon, como você pode conferir no post
"Cabresto em Eliana Calmon" - http://janiceascari.blogspot.com/2011/10/cabresto-em-eliana-calmon.html

Espero que ambas as decisões sejam cassadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, logo no início dos trabalhos de 2012, para o bem da cidadania.

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Retrocesso institucional


EDITORIAL - O Estado de S.Paulo, 21 de dezembro de 2011 
 
Ao privar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do poder de investigar juízes acusados de irregularidades, por meio de uma liminar, concedida às vésperas do recesso do Judiciário pelo ministro Marco Aurélio Mello, o Supremo Tribunal Federal (STF) surpreendeu os meios políticos e jurídicos. A liminar esvazia o poder da Corregedoria Nacional de Justiça e, como só voltará a ser apreciada em fevereiro, dará aos juízes que estão sendo investigados o tempo necessário para apagar rastros ou sumir com provas.

Entre as Cortes que o CNJ está investigando se destaca o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), onde há suspeitas de pagamentos de honorários em valores muito acima do teto salarial fixado pela Constituição. Um de seus desembargadores é o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) - a entidade que questionou as competências do órgão responsável pelo controle externo da magistratura para tentar impedir a realização de uma devassa na folha de pagamentos da Justiça paulista. Na segunda-feira, a AMB, em conjunto com outras entidades de juízes, pediu outra liminar - também concedida - suspendendo o poder do CNJ de quebrar o sigilo bancário de juízes. Para a AMB, o CNJ só poderia atuar nos casos de omissão das corregedorias dos tribunais. Para o CNJ, a prerrogativa suspensa permitia ao órgão identificar movimentações financeiras suspeitas de magistrados.

Há três meses, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, acusou a Justiça paulista de ser a mais corporativa do País e disse que só conseguiria investigá-la para valer "no dia em que o sargento Garcia prender o Zorro", ou seja, nunca. "O TJSP é refratário a qualquer ação do CNJ e o presidente do STF é paulista e foi desembargador", disse a corregedora, referindo-se ao ministro Cezar Peluso.

A liminar concedida à AMB parece dar razão a Eliana Calmon. O recurso da associação de juízes deveria ter sido votado em setembro. Mas, por causa do apoio da opinião pública ao CNJ, principalmente depois de a corregedora ter afirmado que o corporativismo das corregedorias judiciais favorece os "bandidos de toga" e a "minoria de juízes que se valem da toga para cometer deslizes", o recurso da AMB foi tirado da pauta. E só agora o ministro Marco Aurélio deu a conhecer a sua decisão liminar - quando não há tempo de submetê-la ao plenário antes do recesso do STF.

A oposição ao CNJ começou logo após a aprovação da Emenda Constitucional 45, em dezembro de 2004. Ao votar esse dispositivo da reforma do Judiciário, a maioria parlamentar considerou que as corregedorias tinham sua autoridade moral e sua eficácia funcional corroídas pelo corporativismo e deu à Corregedoria Nacional de Justiça a prerrogativa de abrir investigações no momento em que quisesse. Se as corregedorias judiciais fossem eficientes, não teria ocorrido, por exemplo, o desvio de quase R$ 170 milhões das obras do Fórum Trabalhista de São Paulo, do qual um dos beneficiados foi um ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho. Recentemente, os jornais noticiaram que a Corregedoria do TJ do Maranhão recebeu 120 representações contra juízes num só ano e não puniu nenhum deles. O mais escandaloso é que quase todos os procedimentos foram arquivados por decurso de prazo.

Atualmente, tramitam na Corregedoria Nacional de Justiça 115 processos contra juízes de primeira instância e 35 contra desembargadores. Em seis anos de atuação, o CNJ condenou cerca de 50 magistrados, dos quais metade foi punida com a pena máxima no plano administrativo: a aposentadoria compulsória. No mesmo período, o CNJ foi objeto de 32 ações diretas de inconstitucionalidade, das quais 20 foram propostas por entidades de juízes, como a AMB. Os números revelam "uma estratégia de guerrilha processual permanente contra o CNJ", diz Joaquim Falcão, diretor da FGV e um dos mais respeitados pesquisadores do Judiciário.

A criação do CNJ, cujo saldo de realizações é inegável, foi a principal inovação da reforma do Judiciário. Resta esperar que, ao retomar os trabalhos, em 2012, o STF casse a liminar que promove um retrocesso institucional, esvaziando o CNJ e fortalecendo as desmoralizadas corregedorias judiciais.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,retrocesso-institucional-,813763,0.htm


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Chicana no STF
EDITORIAL - Folha de São Paulo, 21 de dezembro de 2011

Decisão do ministro Marco Aurélio Mello de suspender poderes do CNJ é mais uma demonstração de corporativismo no Judiciário
A criatividade demonstrada por alguns advogados nos processos judiciais, em busca de brechas na legislação que possam mudar subitamente uma decisão que se afigurava justa, é chamada, no jargão da área, de "chicana". Nesta semana, numa inusitada troca de papéis, o país viu uma dessas manobras ser patrocinada por um ministro do Supremo Tribunal Federal.

O ardil deu-se em meio à discussão de um processo de grande importância para o futuro do Judiciário: a delimitação dos poderes do Conselho Nacional de Justiça.
Criado para ser uma instância de controle, o CNJ tem a missão de combater desvios e aumentar a transparência administrativa e processual do Poder Judiciário.

A decisão do Supremo, como já observou esta Folha, poderá reafirmar essa função ou relegar o órgão a um papel apenas decorativo no jogo de poder da Justiça brasileira.

O ministro Marco Aurélio Mello é o relator do processo, que esteve na pauta da corte ao longo de praticamente todo o segundo semestre deste ano, mas não foi ainda julgado pelo plenário. Em setembro, o próprio ministro-relator chegou a solicitar que a matéria fosse retirada da pauta, alegando que não haveria "clima" para uma decisão.

Para surpresa da opinião pública, que anseia por uma discussão transparente sobre o tema, Marco Aurélio Mello esperou o último dia de trabalho do STF para conceder uma liminar que simplesmente suspende os poderes do CNJ.

Pela decisão do ministro, válida até o tribunal voltar a se reunir, em fevereiro, o Conselho não pode mais agir quando notificado de uma denúncia. Precisará aguardar a apuração a ser conduzida pelas corregedorias estaduais. O ministro também suspendeu o prazo de 140 dias que o CNJ estipulava para que fossem concluídos os processos disciplinares locais.

A consequência é que, até o fim do recesso, o CNJ terá seus poderes reduzidos para investigar eventuais irregularidades envolvendo a atuação de juízes.

O Supremo, com o ministro Mello à frente, tem se revelado, com acerto, contumaz crítico do abuso do governo federal na edição de medidas provisórias. Liminares como esta, que impõem a decisão do ministro sem que o colegiado do STF se pronuncie, de certa forma seguem a mesma linha impositiva da legislação "baixada" pelo Executivo e despertam apreensões quanto ao aperfeiçoamento do sistema de freios e contrapesos na democracia brasileira.

As frequentes movimentações de magistrados com o propósito de cercear a atuação do CNJ evidenciam as dificuldades para superar o tradicional corporativismo do Poder Judiciário, acostumado, há décadas, a lidar com seus problemas intramuros.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/16067-chicana-no-stf.shtml (só assinantes FSP/UOL)


4 comentários:

  1. Well... este é o mesmo STF que, no passado, considerou válidos e eficazes os Atos Institucionais dos militares que deram um golpe de estado e que, no presente, não se curva à justa decisão da Comissão de Direitos Humanos da OEA que determinou a revisão da Lei de Anistia auto-concedida pelos criminosos do regime de exceção.

    A estátua na frente do STF deveria ser substituída por um colosso do Deus Jano. Estes ministros do STF tem duas caras... alguns tem até mais caras que isto, talvez.

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  2. Como faremos uma correção no Supremo? Seria através do Senado? Acredito que não! Apenas um amplo movimento de Resistência Civil poderá modificar esta situação secando as fontes de renda da corrupção.
    A situação deste tribunal é preocupante para a Sociedade Brasileira, posto que seus membros são protegidos por princípios constitucionais como: vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos etc. Princípios que seriam uma garantia de julgamentos isentos e não a falta de critérios que impera nesta Corte. Infelizmente os critérios de escolha dos ministros deste tribunal passam ao largo do conhecimento jurídico ou dos critérios de independência e retidão. Na prática o que impera nas indicações é um preenchimento de cotas raciais, representação feminina, cotas da advocacia de empresas, amizades, fidelidade partidária, parentesco, ser “aprovado” em entrevista com a “presidenta” – como noticiou Veja, para o caso de um dos últimos ungidos – etc. Isto tem levado à decisões totalmente contraditórias aos princípios constitucionais ou ditames legais, com os magistrados mudando constantemente seus votos ao sabor de forças que só Deus sabe. Para completar, este festival de irresponsabilidades, temos agora o recesso jurídico de fim de ano, não estando as Supremas Consciências nem aí para a prescrição dos processos de mensaleiros e de toda a malta que saqueia o Brasil.

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  3. Todo apoio à Ministra Eliane Calmon!
    Pelo fim ao obscurantismo e à cortina de fumaças
    sob os quais, a séculos, se movem livremente significativas parcelas do poder neste País.
    Luz , queremos Luz!

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  4. No fundo são os representantes da banda podre judiciária que se transformam em "Aiatolás Togados" pedindo repressão e censura. Urge que os verdadeiros Magistrados se manifestem, não deixando que estas insignificâncias os representem. Lembramos também que o Supremo é um órgão colegiado, portanto o silêncio de seus membros significa uma concordância com os "pecadilhos" daqueles que insistem em julgar, acobertando supostos malfeitos em suas supostas carreiras de ilegalidades.

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