quinta-feira, 24 de março de 2011

Dez mil reais é quantia insignificante (para o STF)


Segue post tirado do excelente Blog do Fred, do mestre Frederico Vasconcelos, sobre a análise de um dos melhores procuradores da República do país - Douglas Fischer, lotado na Procuradoria Regional da República da 4ª Região (Porto Alegre) - sobre o chamado "princípio da insignificância".

Até pouco tempo atrás, os tribunais decidiam que delitos que envolvessem valores abaixo de R$ 100,00  poderiam ser considerados insignificantes. Por exemplo, alguém que furtasse ou roubasse um chinelo ou uma caixa de bombons teria tratamento diferenciado pela lei penal, pois não valeria a pena movimentar toda a máquina judiciária por um prejuízo pecuniário tão pequeno.

A Lei 10.522/2002 diz que a União não deve gastar tempo e dinheiro para procurar receber, em juízo, débitos tributários inferiores a R$ 10.000,00. Deve apenas procurar cobrar amigavelmente, extrajudicialmente, tentar receber a dívida sem ter que ajuizar uma ação contra o devedor. Faz sentido, uma vez que se poderia gastar mais dinheiro no custo do processo do que o próprio débito.

Aí, alguém no Supremo Tribunal Federal resolveu formatar a tese de equivalência entre a cobrança de caráter civil e a punição por uma  infração penal. Se a União não tem interesse em ajuizar ação civil para recuperar débitos inferiores a dez mil reais, as infrações penais contra os cofres públicos (sonegação fiscal, contrabando, descaminho etc.) inferiores a esse valor também seriam consideradas "insignificantes".  

Nós do Ministério Público achamos tudo isso um enorme absurdo e estamos tentando de todas as formas fazer com que os tribunais enxerguem como estão equivocados ao adotar esse entendimento,que favorece a criminalidade e a impunidade. Todavia, encontramos dificuldades de toda ordem nessa batalha. Nossas manifestações não são acolhidas porque há precedentes contrários do STF. Pela mesma razão, nossos recursos são impedidos de subir ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e as denúncias estão sendo rejeitadas pelos juizes de primeiro grau. Se os recursos do Ministério Público são barrados, como poderão ouvir nossos argumentos e, um dia, rever essa orientação?

Trocando em miudos, a orientação sinalizada pelo STF é:  podem roubar à vontade dos cofres públicos que nada lhes acontecerá. Mas só até dez mil de cada vez, tá?



24/03/2011

Quando a bagatela incentiva a criminalidade

O Procurador da República Douglas Fischer, que atua na 4ª Região, manifesta preocupação com o aumento do número de criminosos que se beneficiam do chamado princípio da insignificância. Ou seja, réus que, depois de absolvidos, seguem praticando os mesmos crimes.
“Qualquer contribuinte que sonegar R$ 9.999 do Imposto de Renda não será processado criminalmente”, diz Fischer, segundo noticiário distribuído pela assessoria de comunicação da Procuradoria Regional da República da 4ª Região.

O princípio da insignificância é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.

O princípio começou a ser aplicado com frequência nos processos de descaminho (*), quando o prejuízo em tributos ao erário não ultrapassa R$ 10 mil.

A título de desafogar o Judiciário, o Estado apresenta ação criminal apenas em casos acima deste valor. Contudo, a bagatela passou a ser aplicada em sonegações variadas (previdenciária, o próprio descaminho e tributos em geral). Com isso, ao invés de as ações diminuírem, elas estão aumentando e os criminosos estão cada vez mais confiantes de que não serão punidos.

Um processo que começou na Justiça do Paraná é exemplo disso. A Procuradoria Regional da República da 4ª Região interpôs recurso contra decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que aplicou o princípio da insignificância em descaminho. O réu possuía 18 registros criminais de condutas da mesma espécie (**). “É um incentivo à criminalidade”, afirma Fischer.

O número de processos também aumenta porque o Estado só não cobra judicialmente a prática criminosa se o dano ao erário for menor que R$ 10 mil.

Se a mesma pessoa (réu) acumular débito superior ao valor, a ação é ajuizada, além de a cobrança administrativa também ser realizada.

Fischer não é contra o princípio da insignificância. No seu entender, o princípio deve ser analisado caso a caso, e não aplicado como regra imutável.

 “Se o sujeito vem do Paraguai, por exemplo, com mercadorias ilegais e é pego, não quero que ele seja encarcerado. Que cumpra uma pena social. Se o delito se repetir, nova pena do mesmo tipo. Agora, se ele o fizer pela terceira, quarta vez, não é mais o caso de uma lesão inexpressiva ou menor periculosidade social”, afirma o procurador.

Dos 340 habeas corpus autuados no Supremo Tribunal Federal, entre 2008 e 2010, pleiteando a aplicação do princípio da insignificância, 91 foram concedidos, número que equivale a 26,76% do total.

Em 2008, chegaram ao STF 99 processos do tipo, sendo que 31 foram acolhidos. Em 2009, dos 118 habeas corpus impetrados na Corte sobre o tema, 45 foram concedidos. Já em 2010, o STF recebeu 123 habeas corpus sobre princípio da insignificância, acolhendo somente 15 desses pedidos. Em 2008, foram indeferidos ou arquivados 14 habeas corpus pedindo a aplicação do princípio. Em 2009, 26 processos do tipo foram negados ou arquivados. Em 2010, esse total subiu para 76.

(*) Descaminho é o outro nome do contrabando, ambos os crimes são previstos no mesmo artigo 334 do Código Penal. Descaminho é a importação de produtos cuja venda é permitida no Brasil. Contrabando é trazer de outro país um produto cuja importação é proibida, caso de cigarros e armas, por exemplo.

(**) Processo nº 5002381-29.2010.404.7005)


http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/
NOTA DO BLOG: Há manifestações do MPF disponíveis nos sites das unidades do MPF. Por exemplo, na unidade em que trabalho, entrem em www.prr3.mpf.gov.br >> ícone "Pesquisa de pareceres Busca textual" >> digitem "insignificância".

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