terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Novo Código Penal

Encontram-se em andamento e com previsão de aprovação para o ano de 2013 dois trabalhos de grande dimensão, que consistem em projetos de revisão e modernização do Código Penal Brasileiro e das principais leis penais, como as relativas a Lavagem de Dinheiro, Drogas, Crimes Tributários, Meio Ambiente, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso e outras.

Foto extraída da página de A. Molon no Facebook
Um dos projetos tramita na Câmara dos Deputados e é comandado pelo Deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Tivemos a grande honra, o Procurador da República José Robalinho Cavalcanti e eu, de sermos designados para compor a comissão que o auxiliou nesse trabalho, como representantes do Ministério Público Federal. O relatório final da comissão da Câmara você pode encontrar aqui: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ccjc/conheca/subcomissoes/subcomissao-especial-de-crimes-e-penas

Crédito: Expresso MT
O outro projeto tramita no Senado Federal, sob o comando do Senador Pedro Taques (PDT-MT), que convidou uma comissão de renomados juristas para auxiliá-lo na tarefa. A relatoria de todo o projeto ficou sob a responsabilidade do Procurador Regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves e foi transformado no PLS 236/12, cujo andamento e texto você pode verificar aqui: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404&p_sort=DESC&p_sort2=A&p_a=0&cmd=sort

O Senador Pedro Taques e o grupo de Senadores que agora se debruça sobre o relatório final da comissão de juristas ajustaram uma agenda de audiências para reabrir o debate com a sociedade.

Um dos convidados foi o Professor Doutor Miguel Reale Junior, que por diversas vezes tem feito duríssimas críticas públicas ao trabalho da comissão do Senado. Notícia sobre as oitivas você lê aqui: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/02/21/comissao-vai-ouvir-criticas-ao-projeto-de-novo-codigo-penal

Há alguns dias, Miguel Reale Junior declarou - e com todo o respeito, ao meu ver, exageradamente - que o projeto causará ao Brasil "risco de vergonha internacional".

O relator da comissão Luiz Carlos dos Santos Gonçalves respondeu com muita serenidade, afirmando que o projeto de novo Código Penal tem mais acertos do que erros.

Opinião do blog: Concordo integralmente com o relator da comissão do Senado. As eventuais falhas do projeto são poucas, podem ser rediscutidas e readequadas e, de modo algum, não têm o condão de invalidar nem desmerecer o brilhante - e hercúleo - trabalho feito pela comissão de juristas ao longo de meses a fio, o que seria uma enorme injustiça. Ademais, as conclusões a que chegamos na Câmara dos Deputados não diferiram em essência, o que mostra que as duas comissões, tão diferentes em suas composições, andaram trilhando caminhos paralelos e no mesmo sentido.

Seguem abaixo os posicionamentos de ambos.

Código Penal: Miguel Reale Júnior considera proposta de reforma um risco de vergonha internacional

24/02/2013 - 14h05
Karine Melo
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A partir da próxima quinta-feira (28), as discussões em torno da proposta de reformulação do Código Penal prometem ser retomadas com a presença do jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior a uma audiência pública na comissão especial do Senado que analisa do assunto.

“Eu vou levar a nossa contribuição que não é só uma manifestação minha, mas, na verdade, retrata a posição de cerca de 20 entidades, seja do Ministério Publico, da associação de advogados, e dos institutos de direito e criminologia. Vamos levar nossas preocupações e muito tecnicamente analisar as questões que nos preocupam intensamente com relação às impropriedades que o projeto apresenta”, adianta o criminalista à Agência Brasil.

Reale é declaradamente um dos maiores críticos do texto - entregue aos senadores em junho por uma comissão de 15 juristas - e foi convidado para apresentar sua análise sobre a proposta. Em nome da comissão de juristas, o relator-geral do trabalho, o procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves também vai participar do debate.

Para Miguel Reale Júnior, o andamento da atual proposta traz “o risco de uma vergonha internacional”. Entre os pontos criticados pelo jurista, está o que trata de crimes de imprensa. Para ele, a proposta é rigorosa no que diz respeito à difamação e calúnia por meio da mídia. “A pena mínima, de três meses, passa a ser de dois anos, por uma difamação por meio de imprensa. Isso é oito vezes superior à da Lei de Imprensa, que foi revogada por ser ditatorial”, argumenta.

Ainda segundo o criminalista, outro trecho prevê condenação de dois a quatro anos para quem assiste a um confronto entre animais como, por exemplo, uma rinha de galo. “É uma pena elevadíssima. Se o animal morre, a pena é de quatro anos, no mínimo. O sujeito assiste e é responsabilizado pelo galicídio?”, questiona. Ele também critica o perdão judicial no caso da eutanásia ser praticada por parentes, independentemente do diagnóstico médico.

O projeto em discussão também é alvo de críticas políticas, morais e religiosas. Uma das polêmicas é sobre novas hipóteses de aborto legal - atualmente permitido em caso de risco de vida para a gestante, quando a gravidez decorre de estupro ou se o bebê for anencéfalo. “Essas questões religiosas são menores perto dos vícios e dos problemas que existem. Porque na hora que você joga para esta área a discussão se emocionaliza, passa a ser filosófica, religiosa, e a minha questão não é esta. A minha questão é técnica”, garante o ex-ministro.

O projeto em discussão também é alvo de críticas políticas, morais e religiosas. Uma das polêmicas é sobre novas hipóteses de aborto legal - atualmente permitido em caso de risco de vida para a gestante, quando a gravidez decorre de estupro ou se o bebê for anencéfalo. “Essas questões religiosas são menores perto dos vícios e dos problemas que existem. Porque na hora que você joga para essa área a discussão se emocionaliza, passa a ser filosófica, religiosa, e a minha questão não é essa. A minha questão é técnica”, garante o ex-ministro.

O jurista discorda da forma e a “pressa” com que a discussão está sendo feita. Na avaliação de Miguel Reale Júnior, uma reforma da legislação penal teria de ser diferente.

“Eu mexeria pouco na parte geral, exclusivamente, no sistema de penas para adequá-lo. O sistema de penas foi modificado por uma lei de 98 e com a Lei dos Juizados Especais Criminais, precisa ser recomposto. Na parte da estrutura dos crimes, eu não mexeria em nada”, diz. "Isso exige um trabalho imenso de proporção e de revisão porque essas leis são feitas atabalhoadamente. Não se pode apenas trasportar essa legislação extravagante para dentro do código. É necessário fazer uma cautelosa revisão dos tipos que são criados nessas leis. É um trabalho de detalhe que demandaria, no mínimo, um ano e meio, dois anos”. O texto aborda ainda o uso de drogas, terrorismo e prostituição.

Entusiasta da proposta em discussão, o relator-geral da comissão de juristas, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, avalia que as críticas fazem parte do processo, porém são superficiais em algumas situações, feitas por quem não conhece o projeto. “O Congresso fez a lei de trânsito [Lei Seca] que tornou mais severos os crimes de trânsito, e esse único projeto de lei recebeu um monte de críticas, imagine uma proposta com 542 artigos. As críticas são naturais e bem-vindas, ajudam na discussão do projeto”, ressalta.

O trabalho da comissão especial de juristas durou cerca de oito meses. A intenção do relator da comissão de senadores que transformou a proposta em projeto de lei, senador Pedro Taques (PDT-MT), é o texto ser votado no Senado e encaminhado para a Câmara dos Deputados até o fim deste ano.
 
Edição: Carolina Pimentel
Todo o conteúdo deste site está publicado sob a Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil. Para reproduzir as matérias é necessário apenas dar crédito à Agência Brasil

Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-02-24/codigo-penal-miguel-reale-junior-considera-proposta-de-reforma-um-risco-de-vergonha-internacional


LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES:

Divergências em debate
Novo Código Penal tem mais acertos do que erros

Eu gostaria de, na condição de relator da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Penal, agradecer pela entrevista do professor Miguel Reale Júnior, feita pela Agência Brasil, na data de 24 de fevereiro deste ano[1]. Ali, o professor indica que as penas do “galicídio” (por ele assim chamado) estão exageradas. Eu concordo: estão mesmo.

Todas as penas do capitulo dos crimes contra o meio ambiente estão elevadas. Espero que a Comissão de Senadores que está examinando o Projeto de Lei 236/2012 faça as devidas reduções. Com este reconhecimento amplo, sugiro que os crimes deste capítulo deixem de ser utilizados, um a cada vez, para dizer que todo o projeto 236/2012 é inadequado.

Divirjo do eminente jurista, contudo, no que se refere aos crimes contra a honra. Há uma cláusula no projeto segundo a qual não constitui crime a crítica jornalística, salvo a inequívoca intenção de injuriar ou difamar. Assim, não me parece correto comparar o projeto com a antiga Lei de Imprensa, invalidada pelo Supremo Tribunal Federal. As penas atuais do Código Penal são demasiadamente brandas. A honra das pessoas não deve valer R$ 1,99.

Elogio a postura do entrevistado de, em nenhum momento da entrevista, tornar a utilizar o epíteto “Projeto Sarney”, ao se referir ao anteprojeto ou ao projeto de lei 236/2012. Este cognome nunca guardou qualquer relação com a realidade da elaboração e discussão do texto e poderia melindrar a Comissão de Senadores da República que o está, incansavelmente, examinando.

Apoio a sugestão de que a reforma do Código deve ser objeto de um estudo que se prolongaria por um ano e meio ou dois. Se este prazo for contado da instalação da Comissão de Reforma, em outubro de 2011, ele está prestes a ser alcançado. Se contar da entrega do Relatório Final da Comissão, junho de 2012, vencerá no final deste ano, como pretende fazer o senador Pedro Taques, relator da Comissão de Senadores. Se contar de agora, este prazo coincidirá com as eleições gerais de 2014, o que pode não ser oportunidade ótima para a deliberação deste tema no Congresso Nacional. É uma reforma que não convém adiar “sine die”, pois já tarda demais.

Mesmo a parte geral do Código Penal desafia mudanças profundas, por ter mentalidade “pré-Constituição de 1988”, abraçar doutrinas superadas e ser porosa, em muitas passagens, à impunidade.

Não acredito que o projeto 236/2012 possa causar “vergonha internacional”. O que causa vergonha, aqui e alhures, são coisas diversas, como os índices de corrupção administrativa e de homicídios que temos no Brasil, itens para os quais o projeto traz sugestões interessantes.

Concordo com a observação do professor, segundo a qual os aspectos técnicos da discussão devem ter preferência sobre seus aspectos emocionais. Já não era sem tempo!

Renovo minha opinião de que o projeto tem mais acertos do que desacertos. Orgulho-me especialmente de proposições como as relativas aos crimes contra a humanidade, ao enriquecimento ilícito, à ampliação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ao tráfico de pessoas, ao terrorismo, ao abuso de autoridade, aos crimes de falso, crimes contra a administração pública e crimes eleitorais, bem como da redução de penas para crimes de menor lesividade (como o furto) e ampliação do período mínimo de cumprimento de pena em crimes de maior lesividade. Há uma inescondível pauta liberal em temas como drogas, aborto e eutanásia, que receberão dos representantes do povo o tratamento que lhes parecer justo. Mas a Comissão de juristas deixou sua mensagem.

As diversas figuras nas quais se prestigiou a possibilidade de “perdão judicial” mostram acendrada confiança na atuação dos juízes. Meu sentimento reproduz esta confiança.

E, de maneira alguma, se procedeu a um mero “transporte” da legislação extravagante para o anteprojeto, o que pode ser constatado mediante a leitura atenta da norma projetada e pela expressa proposta de revogação de leis como a das contravenções penais e a de segurança nacional.

Outrossim, não tenho compromisso com o erro. Em nada me constrange, ou aos membros da Comissão de Reforma, admitir os equívocos propiciados pelo pouco tempo que nos foi dado para tão imenso trabalho. Corrigi-los é perfeitamente possível, se afastarmos vaidades e idiossincrasias pessoais e entendermos que se trata de uma tarefa para o país. É o que está fazendo a Comissão de Senadores, presidida pelo senador Eunício Oliveira, inclusive promovendo audiências públicas. Portanto, reitero o convite a toda a comunidade jurídica para o debate aberto e o oferecimento de emendas, valendo-nos da ampliação dos prazos de discussão no Senado Federal, que apoiei fortemente.

Mantenho a esperança de que o debate das divergências, inerentes a tudo o que se refere ao Direito Penal, seja feito com respeito e lhaneza e, se possível, alguma elegância, pois o cidadão brasileiro tem este merecimento.

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves é procurador regional da República, relator geral da Comissão de Juristas para a Reforma Penal, mestre e doutor em Direito do Estado.
Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário