domingo, 26 de fevereiro de 2012

Especial - A engrenagem da impunidade: o foro privilegiado

A Folha de São Paulo traz Caderno Especial sobre os processos sujeitos ao foro especial por prerrogativa de função, chamado popularmente de foro privilegiado.

Pela relevância do tema e como o link é só para assinantes Folha/UOL, transcrevo abaixo o caderno inteiro, que se encerra com três análises de especialistas e com uma entrevista do Ministro Celso de Mello, o decano da Corte Maior, posicionando-se contra o foro especial. A morosidade no andamento dos processos é sistêmica e tem causas diversas, incluindo a demora do judiciário, da polícia e do próprio Ministério Público.

Mas o que é esse tal de foro privilegiado?

A Constituição Federal estabelece que determinadas autoridades não podem ser processadas criminalmente junto aos juizes de primeiro grau, apenas perante os tribunais. Conforme a autoridade, o processo pode correr nos Tribunais de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais, no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário, onde são processados o Presidente da República, Senadores, Deputados Federais, Ministros de Estado, Ministros dos tribunais superiores e o Procurador-Geral da República.

Algumas decisões do STF, mesmo não havendo nenhuma previsão constitucional, sinalizam uma tentativa de querer instituir o foro privilegiado também para as ações de improbidade administrativa, de natureza civil, contra essas mesmas autoridades.

Se as ações criminais contra autoridades, que em relação a todo o universo judicial são em pequeno número, tramitam a passos de tartaruga manca, imaginem se vingar a tese de alguns Ministros do STF quanto às centenas de milhares de ações civis por ato de improbidade... Será a impunidade ampla, geral e irrestrita.

A matéria especial é dos repórteres RUBENS VALENTE, FERNANDO MELLO E FELIPE SELIGMAN.


A engrenagem da impunidade
Levantamento da Folha mostra que investigações sobre políticos demoram mais que o normal e se arrastam por anos sem definição
Ilustração de Catarina Bessell sobre foto de Dorivan Marinho/Folhapress

RUBENS VALENTE
FERNANDO MELLO
FELIPE SELIGMAN

Inquéritos que tiveram políticos brasileiros como alvo nos últimos anos demoraram mais tempo do que o normal para chegar a uma conclusão, e processos abertos pelo Supremo Tribunal Federal contra eles se arrastam há mais de dez anos sem definição, de acordo com um levantamento inédito feito pela Folha.
Em média, a Polícia Federal leva pouco mais de um ano para concluir uma investigação. Inquéritos analisados pela Folha que já foram encerrados consumiram o dobro de tempo. O levantamento mostra que deficiências do aparelho judiciário do país e falhas cometidas por juízes, procuradores e policiais estão na raiz da impunidade dos políticos brasileiros, provocando atrasos nas investigações e em outros procedimentos necessários para o julgamento dos acusados.
Durante quatro meses, a Folha analisou 258 processos que envolvem políticos e estão em andamento no STF ou foram arquivados pela corte recentemente, incluindo inquéritos ainda sem desfecho e ações penais à espera de julgamento. Os processos envolvem 166 políticos que só podem ser investigados e processados no Supremo, um privilégio garantido pela Constituição ao presidente da República e seu vice, a deputados federais, senadores e outras autoridades.
O senso comum sugere que esse tipo de coisa acontece porque os políticos têm condições de pagar bons advogados para defendê-los na Justiça, mas a análise dos processos mostra que em muitos casos as investigações simplesmente não andam, ou são arquivadas sem aprofundamento. Só dois casos do conjunto analisado pelo jornal estão prontos para ir a julgamento.
A Folha publicará na internet a íntegra dos 258 processos que examinou, como parte do projeto "Folha Transparência", conjunto de iniciativas do jornal para divulgar informações de interesse público mantidas sob controle do Estado. Os primeiros 21 processos estarão disponíveis a partir de hoje na Folha.com.

STF demora até 6 anos para decidir se senador deve ser investigado
Para ministros, tempo gasto para permitir andamento de casos de políticos se justifica pela sobrecarga de trabalho na corte




Volume de ações cresceu depois que autorização do congresso deixou de ser necessária
DE BRASÍLIA

Depois de passar pelo gabinete de três ministros em seis anos, uma denúncia contra o senador Valdir Raupp (RO), hoje presidente do PMDB, foi aceita pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Raupp é acusado de responsabilidade por um desvio de R$ 6,4 milhões que teria ocorrido quando ele era governador de Rondônia.
O primeiro ministro que teve contato com o caso foi Joaquim Barbosa, designado relator em 2004, depois de a Procuradoria-Geral da República pedir ao Supremo que acolhesse a denúncia.
Ele levou três anos para concluir o voto e acolher o pedido para abrir a investigação do senador, o que permitiu que o caso enfim entrasse na pauta do tribunal.
Foi quando o ministro Gilmar Mendes pediu mais tempo para analisar o caso, suspendendo a discussão no plenário. Ele demorou um ano para chegar a uma conclusão e votou contra a denúncia.
Em seguida, chegou a vez do ministro Menezes Direito, morto em 2009. Ele também pediu mais prazo, e outros sete meses se passaram até que o processo voltasse a andar. A denúncia foi acolhida somente em 2010.
Essa demora para tomar decisões necessárias para o andamento de investigações que envolvem políticos é justificada, segundo os ministros da corte, pela sobrecarga de trabalho.
Para superar o problema, dois deles dizem que a solução é acabar com o foro privilegiado a que alguns políticos têm direito no Supremo.
De acordo com a Constituição, senadores, deputados federais e ministros só podem ser processados e julgados por crimes no Supremo.
Só os ministros do tribunal podem decidir sobre buscas de provas, depoimentos de testemunhas e interrogatórios dos réus nesses casos. Encerradas as investigações, apenas eles podem julgar os acusados.
O acúmulo de casos com foro privilegiado é um problema relativamente novo para o STF. Até 2001, a abertura de processos desse tipo dependia de autorização do Congresso. Como poucos recebiam o sinal verde, o volume de casos era insignificante.
Depois que a autorização prévia deixou de ser uma exigência legal, o efeito se fez sentir rapidamente. Entre 1988 e 2001, 21 processos foram abertos no STF. Hoje há mais de 580 inquéritos e ações penais em andamento.
De acordo com um estudo recente da Fundação Getulio Vargas, o tribunal recebeu 1,2 milhão de novas ações de toda espécie entre 1988 e 2009, das quais 92% eram recursos.
A maioria dos processos analisados pela Folha se arrasta há anos, à espera da conclusão de investigações adicionais requisitadas pelo Ministério Público e depoimentos de testemunhas.
Para autorizar um pedido da Procuradoria-Geral da República numa ação em que o deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) é réu, o ministro Celso de Mello levou um ano e oito meses. A Procuradoria queria que o STF validasse atos do tribunal de primeira instância em que o caso começou e determinasse o interrogatório dos acusados.
O ministro Celso de Mello diz que atrasos como esse ocorrem por causa do excesso de trabalho e defende a extinção do foro privilegiado.
O ministro Marco Aurélio Mello, que levou seis meses para dar um despacho num inquérito que envolve o deputado Geraldo Simões (PT-BA), também quer o fim do privilégio. "Ficamos aqui apagando incêndios", diz ele. "A sobrecarga é desumana."
O presidente do STF, Cezar Peluso, demorou cinco meses para requisitar informações e mandar ouvir testemunhas numa investigação sobre o uso indevido de uma rádio comunitária pelo deputado Edio Lopes (PMDB-RR).
Erros também contribuem para a morosidade. Num inquérito sobre atos cometidos pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ) quando era prefeito de Nova Iguaçu (RJ), o Supremo perdeu um mês ao enviar para o endereço errado um ofício que era destinado ao Tribunal de Contas do Estado do Rio.

Mendes gastou 14 meses para rever caso que teve por 4 anos
DE BRASÍLIA

O ministro do STF Gilmar Mendes interrompeu por 14 meses o julgamento de uma denúncia em que o senador João Ribeiro (PR-TO) foi acusado de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão em sua fazenda.
Quando o caso chegou ao plenário do tribunal, Mendes pediu mais tempo para analisá-lo. Mas ele já conhecia o processo, porque o inquérito que deu origem à denúncia ficara em seu gabinete durante quase quatro anos.
O caso chegou ao STF em 2004 e Mendes foi designado relator. Até o início de 2008, o ministro mandou o senador apresentar sua defesa.
Em 2008, Mendes virou presidente do STF, e o caso foi transferido para o gabinete da ministra Ellen Gracie. Ela ficou com o processo por outros dois anos e, em outubro de 2010, votou em plenário pela transformação da denúncia em ação penal. Foi quando Mendes pediu vista e interrompeu o julgamento.
O inquérito ficou no seu gabinete até dezembro. Na última quinta-feira, o Supremo aceitou a denúncia por 7 votos a 3. Mendes foi um dos votos contrários. Com isso, será aberta uma ação penal e Ribeiro passará finalmente da condição de investigado para a condição de réu.
Por meio de sua assessoria, Mendes disse que recebeu 3.748 novos processos para análise só em 2011. "O volume exaustivo de trabalho impede que a devolução dos pedidos de vista seja feita em período mais curto, como desejável", afirmou.

PF deixa inquéritos sobre políticos em segundo plano
Mudança de delegados no meio da investigação, falta de pessoal e erros cometidos por policiais fazem processos se arrastar por anos
DE BRASÍLIA

Despachos assinados por delegados da Polícia Federal revelam que inquéritos que envolvem políticos com foro privilegiado no STF (Supremo Tribunal Federal) têm sido retardados pela troca dos delegados responsáveis pelas investigações antes de sua conclusão, pela falta de pessoal e por erros cometidos durante as averiguações.
Em diversos processos examinados pela Folha, os delegados que comandavam os inquéritos foram deslocados de suas funções no meio das investigações e transferidos para outras cidades para que participassem de operações especiais consideradas mais relevantes pela direção da PF.
Muitos inquéritos que tratam da participação de políticos em desvios de recursos públicos foram esvaziados nos últimos anos pela decisão de dar prioridade às operações especiais, cujos resultados costumam ser divulgados com destaque pelo governo como prova de seu empenho no combate à corrupção.
Em 2008, uma investigação sobre desvios que teriam ocorrido na construção de um hospital, que chegou ao Supremo por envolver o senador Jayme Campos (DEM-MT), ficou parada por 135 dias porque o delegado foi destacado para coordenar a Operação Cola, que desmantelou uma quadrilha que vendia diplomas universitários.
Outro inquérito, aberto para apurar o envolvimento dos deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) na concessão de uma licença ambiental, sofreu interrupções por razões parecidas.
Os autos ficaram sete meses no gabinete de um delegado que nada tinha a ver com o caso. Quando chegaram ao certo, ele foi transferido. Seu substituto só conseguiu examinar a papelada seis meses depois, e o caso foi devolvido para a primeira instância por falta de provas.
No Rio, um delegado que investiga o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) por fazer propaganda eleitoral ilegalmente atribuiu os atrasos na investigação à falta de um escrivão para ajudá-lo.
Quando a Justiça questionou-o sobre os motivos dos atrasos, o policial disse ter ficado um mês trabalhando em outra delegacia e afirmou que presidia 260 inquéritos, o que tornava "sofrível" o levantamento de provas.
De acordo com a lei, todo inquérito policial tem prazo inicial de 30 dias e pode ser prorrogado quantas vezes for necessário, se o Ministério Público concordar e o juiz que acompanha o caso autorizar.
Em quase todos os processos analisados pela Folha, as investigações tiveram várias prorrogações e se arrastaram por anos, muitas vezes sem que nada tenha acontecido entre um pedido e outro.
Segundo a Associação de Delegados da Polícia Federal, em média a polícia gasta 390 dias para concluir uma investigação, nos casos em que não há prisão em flagrante.
Os inquéritos examinados pela reportagem demoraram o dobro de tempo para chegar a uma conclusão.
Um juiz federal de Santarém (PA), Fabiano Verli, chegou a protestar contra essa situação num dos processos. "Ou há provas ou não há", escreveu à PF. "Parece-me desproporcional eternizar investigações inviáveis. Talvez 30 dias seja pouco, mas qualquer período superior a um ou dois anos já se me afigura, via de regra, exagerado."
O efetivo da PF teve aumento de 64% nos últimos dez anos, mas os delegados ainda acham que ele é insuficiente. O órgão tem cerca de 100 mil investigações em andamento, comandadas por 1.800 delegados.
Os delegados com salário mais alto da carreira também tiveram um reajuste real de 33%, já descontada a inflação, entre 2001 e 2011.
Para acelerar as investigações, a PF promete implantar em dois anos um sistema eletrônico para dar agilidade aos pedidos de prorrogação dos inquéritos.

Caso que teve cinco delegados não chegou a lugar nenhum
DE BRASÍLIA

Encarregada de investigar um caso de desvio de recursos públicos no interior do Maranhão, a Polícia Federal deixou passar cinco anos sem ouvir nenhuma testemunha, sem apresentar nenhum laudo pericial e sem ouvir o principal suspeito, o deputado José Vieira Lins (PR-MA).
O inquérito foi aberto em 2004 e teve cinco delegados responsáveis desde então. A própria polícia admitiu sua responsabilidade pela paralisia do caso.
Em 2005, o delegado regional da PF no Maranhão escreveu num ofício que o problema era a "carência de autoridade policial".
O Ministério Público Federal só demonstrou sua contrariedade num ofício quatro anos depois. "O inquérito encontra-se parado desde 2005, sem a realização de qualquer diligência", diz o documento. "[Há] apenas diversos despachos explicando que o órgão competente, DPF [Departamento da Polícia Federal], encontrava-se assoberbado de tarefas e compromissos referentes ao seu ofício."
Vieira foi prefeito de Bacabal (MA) antes de se eleger deputado. Em 2004, uma comissão do Senado que fiscaliza os gastos do governo federal apontou irregularidades numa obra executada pela prefeitura com recursos federais durante sua gestão.
O relatório da comissão deu origem ao inquérito da PF, mas a investigação não chegou a lugar nenhum. Eleito deputado, Vieira ganhou foro privilegiado e o caso foi para o STF.

Erros travam processo em que Jader é réu e atrasam julgamento
Demora permitiu que senador voltasse ao congresso para ocupar cadeira ao lado do procurador que o denunciou
DE BRASÍLIA

Erros cometidos por juízes e procuradores contribuíram para que um processo em que o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) é réu se arrastasse por uma década e meia sem chegar a uma conclusão.
Um deslize do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) que foi o primeiro relator do caso causou um atraso de um ano no depoimento das testemunhas apresentadas pela acusação e pela defesa.
Uma discussão sobre o foro competente para julgar o senador na época em que ele era deputado federal parou tudo por dois anos e meio.
A insistência da Procuradoria-Geral da República em ouvir uma testemunha que as autoridades não sabiam onde encontrar provocou mais dois anos e oito meses de atraso no processo.
Os três percalços fizeram o caso se arrastar por mais de seis anos sem que nenhuma outra providência pudesse ser tomada para investigar Jader e levá-lo a julgamento.
O caso teve início há 14 anos e 10 meses, quando foram descobertas fraudes na distribuição dos incentivos fiscais da antiga Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia).
A Sudam era um feudo político de Jader, na época um dos homens-fortes do PMDB. O escândalo criado pelas investigações teve grande repercussão, levando-o a renunciar ao mandato de senador para não ser cassado.
O processo deu tantas voltas nesses anos todos que Jader conseguiu voltar ao Senado, onde agora convive no plenário com o procurador que o denunciou, Pedro Taques (PDT-MT), que se desligou do Ministério Público e se elegeu senador em 2010.
A investigação começou em abril de 1997 e se estendeu por cinco anos. Em média, a Polícia Federal leva pouco mais de um ano para concluir um inquérito.
Jader, que nega ter participado das fraudes na Sudam, foi denunciado pelo Ministério Público à Justiça Federal de Mato Grosso há dez anos, quando estava sem mandato e concorrendo a uma vaga na Câmara dos Deputados.
Mas ele se elegeu deputado logo após o início do processo, recuperando seu direito a foro privilegiado no STF.
Os juízes que analisaram o caso em Cuiabá (MT) e a Procuradoria-Geral da República levaram mais de dois anos para enviar o processo ao STF porque ficaram discutindo se deviam separar a parte referente a Jader em vez de mandar logo tudo de uma vez.
No STF, um erro crucial foi cometido pelo ministro Carlos Velloso, hoje aposentado. Nomeado relator do processo, ele mandou ouvir as testemunhas de acusação ao mesmo tempo que as testemunhas de defesa.
Como o Código de Processo Penal manda ouvir primeiro as testemunhas de acusação, o descuido de Velloso permitiu que os advogados de Jader ganhassem tempo alegando que seu direito a ampla defesa fora prejudicado pelo Supremo.
Velloso recorreu a decisões anteriores do STF para justificar sua decisão e lamentou a estratégia dos advogados, mas seus colegas deram razão a Jader e o tribunal viu-se obrigado a enviar de novo as ordens para tomada dos depoimentos das testemunhas.
O obstáculo seguinte foi criado pela Procuradoria, que fez questão de ouvir um caseiro de Brasília que anos antes dissera à polícia ter testemunhado encontros de Jader com um dos principais beneficiários das fraudes na Sudam. O caseiro sumiu e nunca mais foi encontrado.
O processo foi devolvido pelo Supremo à Justiça Federal de Mato Grosso no ano passado, quando Jader ficou sem mandato e impedido de tomar posse como senador por ter sido barrado pela Lei da Ficha Limpa.
Em dezembro, o STF decidiu que a lei não se aplicava ao seu caso e ele tomou posse no Senado, recuperando o direito ao foro especial. No fim de janeiro, o processo voltou ao Supremo.

Deputado diz que foi condenado por ter sido desatento
DE BRASÍLIA

O deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) é o único político condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nos processos analisados pela Folha. O caso levou seis anos para ter um desfecho.
A sentença que ele recebeu-reclusão de três anos em regime aberto- foi dada em outubro, mas ainda não é válida, pois precisa ser publicada no "Diário da Justiça".
O deputado, integrante do grupo do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), não será preso nem precisará dormir em albergue público como sua pena prevê, pois tem 72 anos. A lei permite que condenados com mais de 70 anos passem as noites em casa.
Desde 1988, o Supremo já condenou outros quatro políticos, mas nenhum deles começou a cumprir a pena. As investigações da Polícia Federal que levaram à condenação do deputado tiveram como ponto de partida uma representação protocolada por seus adversários políticos, o que deu origem a um inquérito na Polícia Federal.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, em 2004, quando disputou a eleição para prefeito de Marabá (PA) e perdeu, Bentes recrutou eleitoras prometendo cirurgias gratuitas de laqueadura de trompas, o que é ilegal.
De acordo com a Procuradoria, a promessa era feita numa seção do PMDB comandada pela mulher do deputado e os médicos responsáveis pelas cirurgias eram um amigo e o genro de Bentes.
Um relatório da PF afirma que, "com interesse particular e político", o deputado foi "a mola mestra na captação das mulheres" e "o maior beneficiário das cirurgias".
O delegado do caso ouviu 12 mulheres. Elas contaram que entraram em contato com o PMDB por meio da enteada e da mulher de Bentes, e disseram ter recebido um vale para fazer a cirurgia.
Ainda segundo a PF, os médicos preenchiam os documentos da operação como se tivessem feito outros procedimentos médicos, para conseguir reembolso do SUS.
Uma das explicações para a rara condenação é a velocidade com que o processo de Bentes tramitou. A investigação da polícia durou um ano e dois meses. Um caso desse tipo demora, em média, leva pouco mais de um ano.
Foram necessários sete meses para que a Procuradoria apresentasse denúncia contra o deputado, em 2006.
A decisão do STF de aceitar a denúncia também foi relativamente rápida, um ano e quatro meses após a manifestação da Procuradoria.
Bentes diz não guardar mágoas dos seus denunciantes. "Decisão judicial se cumpre, mas nunca compartilhei dessas práticas antigas da política." Ele diz ter "garantido" recursos federais para Marabá, e atribui a isso o incômodo que teria levado seus adversários a denunciá-lo.
"A coisa era tão sem cabimento e sem embasamento que relaxei no acompanhamento [do processo]."
Bentes disse que aguarda a publicação no "Diário da Justiça" para recorrer da condenação ao próprio tribunal. Ele corre o risco de perder o mandato na Câmara se o STF rejeitar seu recurso e mantiver a condenação. Se isso ocorrer, caberá a seus pares na Câmara decidir se ele deve ser cassado.

Limbo jurídico na Procuradoria atrasa processos
Morosidade do órgão federal trava análise de investigações que começaram nos estados




Procurador-Geral diz que casos em geral são muito volumosos e por isso precisam ser examinados com cuidado
DE BRASÍLIA

Investigações sobre políticos que tiveram início em instâncias inferiores do Poder Judiciário caem numa espécie de limbo ao chegar à Procuradoria-Geral da República, de acordo com os documentos obtidos pela Folha.
A Procuradoria é o único órgão com autoridade para conduzir investigações sobre políticos com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal. Só ela pode denunciá-los quando há provas, e só ela pode arquivar os inquéritos quando nada é encontrado.
Toda investigação criminal que começa nas instâncias inferiores do Judiciário e encontra indícios contra políticos com foro no Supremo precisa ser interrompida e remetida à análise do tribunal.
O STF então pede a opinião da Procuradoria para saber o que ela pretende fazer com a investigação. Muitos processos ficam parados nessa fase durante anos, à espera de um parecer do órgão.
Muitos casos caem nesse limbo quando as investigações acham indícios de envolvimento de políticos. Outros inquéritos têm o andamento suspenso porque os investigados se elegem e ganham direito a foro privilegiado.
A Procuradoria demorou quase três anos para pedir a abertura de uma investigação sobre a participação do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), na concessão de um benefício tributário a frigoríficos no seu primeiro mandato como governador.
O caso começou a ser investigado pelo Ministério Público Federal de Goiás em 2007, quando Perillo havia deixado o governo e era senador. Como só o Supremo poderia julgá-lo, a Procuradoria precisou ser acionada.
Em 2010, quando finalmente a abertura da investigação foi autorizada, Perillo estava prestes a deixar o Senado para concorrer novamente ao governo de Goiás. Ele se elegeu e agora tem foro privilegiado no STJ (Superior Tribunal de Justiça), para onde o caso foi enviado.
A Procuradoria demorou um ano para dar o sinal verde a um inquérito sobre o envolvimento do deputado José Otávio Germano (PP-RS) em irregularidades no Detran gaúcho. O caso começou a ser investigado por procuradores federais gaúchos em 2008 e teve que ser transferido para Brasília por causa da participação de Germano.
Num caso que examinou quando atuava no Tribunal Superior Eleitoral, o atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel, levou quase dois anos para emitir um parecer com cinco parágrafos, em que disse não ser de sua competência uma investigação sobre o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA).
Por meio de sua assessoria, Gurgel afirmou que a demora nos processos examinados pela Folha é resultado do "grande volume de feitos" recebidos pela Procuradoria.
Ele não quis informar o número de inquéritos e ações penais que se encontram sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral atualmente. Também não quis dar detalhes como o número de subprocuradores que o auxiliam na análise dos processos.
Segundo o procurador-geral, casos como os inquéritos que envolvem políticos "exigem um exame extremamente cuidadoso". "Normalmente, esses processos são muito volumosos", disse Gurgel. "Esforços estão sendo feitos para reduzir os prazos dessas manifestações."

Demora ajudou deputado a se livrar de críticas na campanha
DE BRASÍLIA

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, levou três anos e nove meses para pedir a abertura de um inquérito sobre o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) e assinou o despacho um dia depois que ele se reelegeu, em 2010.
Além de atrasar o processo, a demora permitiu que Tatto atravessasse a campanha eleitoral sem ser incomodado pelas investigações, que seus adversários políticos poderiam ter explorado.
Tatto foi investigado pelo Ministério Público Estadual de São Paulo por causa de irregularidades que teriam ocorrido quando ele comandava a Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo.
As investigações começaram em 2006, quando ele se elegeu deputado pela primeira vez, e foram interrompidas depois que ele tomou posse na Câmara e conquistou o direito a foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.
O processo ficou praticamente parado na Procuradoria durante o primeiro mandato de Tatto e só voltou a andar após sua reeleição, com o despacho de Gurgel.
O deputado nega ter praticado irregularidades e atribui a investigação à ação de desafetos políticos. A Procuradoria não quis se manifestar sobre a demora na abertura do inquérito.

Deputados ganham tempo evitando intimações judiciais
Políticos usam atestados médicos, viagens oficiais e outros expedientes para driblar oficiais de justiça e evitar audiências
DE BRASÍLIA

Na primeira vez em que o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR) foi procurado pelo Supremo Tribunal Federal para tratar de um processo criminal em que é réu, em 2002, a secretária de seu gabinete disse ao oficial de justiça que ele estava viajando e voltaria na semana seguinte.
A cena se repetiu outras três vezes num período de quase dois meses, entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003, até que o ministro do STF Carlos Velloso perdeu a paciência. "Se for o caso, [o tribunal] certificará que o notificado foge da notificação", escreveu num despacho.
A Procuradoria-Geral da República acusa Lupion de ter usado numa de suas campanhas eleitorais R$ 4,1 milhões que teriam sido movimentados ilegalmente numa conta aberta em nome da mãe de um assessor do deputado.
O caso começou há nove anos e hoje tramita no Supremo. Procurado pela Folha, Lupion afirmou que não movimentou "um centavo além do declarado" na prestação de contas da campanha.
O STF também teve dificuldades para encontrar o assessor de Lupion, que declarou como endereço um posto de gasolina em Jarinu (SP). Seu advogado escreveu em resposta à Justiça que o cliente tinha "endereço itinerante".
Casos como esse, em que políticos sob investigação usam viagens e outros expedientes para evitar tomar conhecimento de intimações judiciais, são comuns nos casos analisados pela Folha.
Isso colabora para o atraso dos processos, porque eles não andam se as pessoas investigadas e as principais testemunhas do caso não forem ouvidas pela Justiça, e isso só pode acontecer depois que elas forem intimadas oficialmente pelas autoridades.
Um estudo premiado pelo instituto Innovare, que promove a modernização da Justiça brasileira, concluiu que, em processos comuns em varas criminais de tribunais da primeira instância, uma intimação demora em média 39 dias para ser entregue. Em vários casos analisados pela Folha, foram necessários meses para entregar uma intimação.
Num processo em que o deputado Maurício Trindade (PR-BA) é réu, o parlamentar desmarcou sua participação em duas audiências.
Na primeira, em Salvador, argumentou que precisava acompanhar uma sessão na Câmara, em Brasília. Na segunda, em Brasília, ele avisou um dia antes que precisaria viajar para o Panamá.
Do inquérito à ação penal, há duas fases em que as intimações são entregues, durante as investigações e nos preparativos para o julgamento, quando os investigados já passaram à condição de réus.
Quando seu processo chegou a essa fase, o deputado Lupion recorreu a novos expedientes para evitar as intimações da Justiça, primeiro exibindo um atestado médico e depois alegando que tinha uma reunião no Paraná.
Lupion conseguiu atrasar o andamento do processo por sete meses ao fazer isso, segundo a Procuradoria-Geral da República. Procurado pela Folha, o deputado disse estar "ansioso para finalizar este processo".

Inquérito é arquivado sem investigado ser ouvido

Um inquérito aberto para investigar o senador Romero Jucá (PMDB-RR) por suspeita de crime eleitoral foi arquivado por falta de provas após autoridades tentarem por três anos ouvi-lo, sem sucesso.
Jucá foi convidado três vezes pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos ao STF (Supremo Tribunal Federal) e chegou a marcar dia e hora para depor, mas as audiências nunca ocorreram.
O inquérito foi aberto pelo Ministério Público de Roraima em 2002, quando Jucá se reelegeu senador, mas somente cinco anos depois o processo foi enviado ao STF.
Jucá foi convidado pela PF a depor pela primeira vez em 2007. Ele só se manifestou após oito meses e outras duas tentativas, dizendo que poderia receber os policiais no fim de julho de 2008. O depoimento foi adiado por dez dias, mas jamais aconteceu.
Logo depois, a Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento do inquérito, com o argumento de que não havia necessidade de ouvir o senador porque não existiam "provas mínimas" contra ele.
Jucá recorreu a um expediente comum entre os políticos ao marcar ele mesmo a data para seu depoimento. O artigo 221 do Código de Processo Penal prevê que alguns políticos com foro privilegiado podem ser ouvidos em "local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz".
Mas a interpretação desse dispositivo é controversa. Dois ministros do STF, Celso de Mello e Gilmar Mendes, entendem que ele só deveria valer para testemunhas, jamais para políticos investigados ou réus.

Ministro do STF defende fim do foro privilegiado
Para Celso de Mello, benefício não tem similar no mundo e deveria ser limitado a casos de delitos cometidos por políticos em razão do mandato
DE BRASÍLIA

Mais antigo dos integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal), onde despacha há 23 anos, o ministro Celso de Mello, 66, defende a extinção do foro privilegiado para todos os políticos e autoridades em matéria criminal.
A mudança só seria possível se o Congresso aprovasse uma emenda à Constituição acabando com o privilégio, mas o ministro afirmou em entrevista à Folha que pensa em propor a seus colegas no STF uma solução alternativa
A ideia seria restringir o direito ao foro especial a processos que envolvam delitos cometidos em razão do exercício do mandato. A mudança dependeria da aprovação do plenário do STF.
Folha - Como o sr. analisa a situação do foro privilegiado no Brasil?
Celso de Mello - A minha proposta é um pouco radical, porque proponho a supressão pura e simples de todas as hipóteses constitucionais de prerrogativa de foro em matéria criminal.
Mas, para efeito de debate, poderia até concordar com a subsistência de foro em favor do presidente da República, nos casos em que ele pode ser responsabilizado penalmente, e dos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo. E a ninguém mais.
Eu sinto que todas as autoridades públicas hão de ser submetidas a julgamento, nas causas penais, perante os magistrados de primeiro grau.
Ao contrário do STF, que é um tribunal com 11 juízes, você tem um número muito elevado de varas criminais [na primeira instância], e pelo Estado inteiro.
Com essa pluralização, a agilidade de inquéritos policiais, dos procedimentos penais é muito maior.
Acho importante nós considerarmos a nossa experiência histórica. Entre 25 de março de 1824, data da primeira carta política do Brasil, e 30 de outubro de 1969, quando foi imposta uma nova carta pelo triunvirato militar, pela ditadura, portanto um período de 145 anos, os deputados e os senadores não tiveram prerrogativa de foro.
Mas nem por isso foram menos independentes ou perderam a sua liberdade para legislar até mesmo contra o sistema em vigor.
A Constituição de 1988, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática, porque ampliou de modo excessivo as hipóteses de competência penal originária.

Como é o foro especial em outros países?
Algumas cortes constitucionais europeias detêm competência penal originária.
A Corte Constitucional italiana, por exemplo, mas para hipóteses muito limitadas, quatro ou cinco, e nada mais. Na França, o Conselho Constitucional detém competência penal originária em relação a pouquíssimas autoridades, cinco, se tanto.
Ou seja, são constituições republicanas, mas que refletem a mesma parcimônia que se registrara na carta monárquica brasileira de 1824.
No modelo norte-americano, já ao contrário, não há prerrogativa de foro.
Temos algumas constituições que se aproximam do modelo brasileiro, mas este é quase insuperável, quase invencível.
Vale a pena pegar algumas constituições estaduais do Brasil para ver as autoridades com foro junto ao Tribunal de Justiça. Começa com o vice-governador e vai embora. Entra Deus e todo mundo.

Sua opinião pelo fim do foro não é minoritária no STF?
Imagino que sim, mas isso em termos de formulação de novas regras constitucionais, a depender, portanto, de uma proposta de emenda constitucional que seja apresentada ao Congresso.
Mas acho que o STF talvez devesse, enquanto a Constituição mantiver essas inúmeras hipóteses de prerrogativa de foro, interpretar a regra constitucional nos seguintes termos: enquanto não for alterada a Constituição, a prerrogativa de foro seria cabível apenas para os delitos cometidos em razão do ofício.
Isso significa que atuais titulares de cargos executivos, judiciários ou de mandatos eletivos só teriam prerrogativa de foro se o delito pelo qual eles estão sendo investigados ou processados tivessem sido praticados em razão do ofício ou no desempenho daquele cargo.

O sr. acha possível que o Congresso leve adiante uma proposta para extinguir o foro?
Sinto que o Congresso Nacional não tem essa mesma percepção.
Porque recentemente eminentes senadores apresentaram uma proposta de emenda constitucional que amplia a competência penal originária do Supremo para dar prerrogativa de foro a membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho do Ministério Público.
Tenho a impressão de que, nesse sentido, caminhamos por caminhos opostos.

Qual é o impacto, na rotina dos ministros, dos casos relativos ao foro?
A situação é dramática. É verdade que os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante [instituídos há alguns anos para acelerar a tramitação de processos] tiveram um impacto altamente positivo sobre a prática processual no STF.
Mas, por outro lado, no que se refere aos processos originários, vale dizer, às causas que se iniciam desde logo, diretamente no Supremo, houve um aumento exponencial desse volume, e isso se verifica no cotidiano da corte.
No ano passado, trabalhei 14 horas todos os dias e a dormir três horas, tanto que cheguei ao final do ano com minha pressão a 18 por 10 e passei Natal e Ano Novo entre um hospital e outro.
Eu saio muito tarde, mas agora tomei uma resolução. O médico, aliás, falou: "Ou você faz isso ou você acaba..."
Tive que fazer um exame para descartar um AVC e um infarto agora, no final do ano, porque estava com sintomas próprios desses distúrbios.

Alguns ministros do STF usam juízes-auxiliares para pedir informações a órgãos públicos ou tomar depoimentos de testemunhas. Por que o sr. não adota essa medida?
Alguns ministros têm os chamados juízes instrutores, que nem eu nem [o ministro] Marco Aurélio Mello [temos].
Em primeiro lugar, porque acho que o estudo [que embasará a decisão] tem que ser meu. Por isso é que acabo trabalhando essas 14 horas por dia. É um ato pessoal. Mas respeito a posição dos outros juízes, cada um tem seu estilo de trabalho.
Em segundo lugar, entendo que o magistrado, ou ele exerce suas funções jurisdicionais, podendo acumulá-las com um cargo docente, como permite a Constituição, ou não se lhe oferece qualquer outra alternativa.
Acho que não tem sentido convocar um juiz para atuar como um assessor de ministro. A mim, não parece que a Constituição autorizaria isso.

Nos processos que examinamos, em geral a Procuradoria-Geral da República faz "convite" aos deputados para interrogá-lo. O sr. tem dito que a lei não autoriza esse tratamento.
Comecei a notar que o procurador-geral da República dizia, em seus requerimentos ao Supremo, "requeiro que seja convidado" ou "intimado a convite" aquele parlamentar sob investigação. Eu falei: "Não pode ser". A pessoa está sendo investigada e quem tem essa prerrogativa é a testemunha e a vítima, e ninguém mais.
São normas de direito estrito. Tanto que agora o procurador não escreve mais "a convite". Não sei se só nos meus casos ou se ele generalizou. Porque realmente não tem cabimento isso.

Por que o sr. tem combatido o uso de iniciais para identificar os alvos de inquéritos e réus em ações penais?
O regime de investigação penal é um regime de cartas na mesa. Eu não permito que sejam colocadas iniciais [de nomes de políticos] nos processos. Num mandado de injunção, já discutimos exatamente aquilo que eu chamo de "fascínio do mistério" e o "culto ao sigilo".
Essa memória retrospectiva que, nós que vivemos sob o regime militar, temos, precisa ser relembrada a cada momento. Para que isso nunca mais aconteça. A publicidade deve ser observada.

Nós encaminhamos à sua assessoria perguntas sobre processos enviados a seu gabinete que demoraram meses para ser despachados.
Às vezes, da maneira como seja enfocada a questão, pode dar aquela impressão de que não trabalhamos. "Ah, puxa, fica tanto tempo com o processo." Na verdade, é um motivo de angústia para cada um. Você se angustia, "meu Deus, eu tenho esses casos [para despachar]", e se torna materialmente impossível que você faça a tempo e hora.

Raio-X Celso de Mello
NOME: José Celso de Mello Filho
IDADE: 66
CARGO: Ministro do STF
FORMAÇÃO: Direito na USP
CARREIRA: Promotor e procurador de Justiça do Estado de SP (1970-1989); secretário-geral da Consultoria Geral da República (1986-1989); ministro do STF desde 1989, presidente do STF no biênio 1997-1999


Análise
Falta de vocação dos tribunais para colher provas paralisa ações penais
PIERPAOLO BOTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Prerrogativa de foro é a regra constitucional que prevê que os processos penais contra algumas autoridades públicas sejam julgados diretamente por tribunais, ou seja, sem passar pelo juiz de primeiro grau. A garantia dura apenas enquanto o cidadão ocupar o cargo.
Há grandes debates sobre as vantagens e as desvantagens dessa regra. Para além das discussões teóricas, o problema é prático: os processos penais em andamento nos tribunais contra autoridades são pouco julgados.
Em 2007, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) apresentou pesquisa sobre o andamento dessas ações, e os resultados mostraram baixíssimos índices de julgamento. Uma das razões é a absoluta falta de vocação dos tribunais para conduzir esses processos penais.
Os tribunais foram criados para analisar teses jurídicas, discutir a vigência de normas e unificar sua interpretação.
O trabalho de ouvir testemunhas, determinar perícias, gravações telefônicas, busca e apreensão, dentre outras ações para reunir evidências sobre a prática de um crime, é tarefa do juiz de primeiro grau. Os tribunais não têm experiência para organizar a colheita de provas.
Assim, ou bem se acaba com a prerrogativa de foro ou os tribunais adotam medidas para se adaptar à tarefa de produzir provas.
Uma alternativa, já usada pelo Supremo Tribunal Federal, é delegar a juízes de primeiro grau a colheita de depoimentos e outros elementos de prova, e reservar para o tribunal a análise das evidências reunidas.
Outra medida é o uso de tecnologias que facilitem a produção de provas, como a videoconferência e a tramitação digital de documentos.
A prerrogativa não é um mal em si, mas essa falta de vocação dos tribunais dificulta o andamento das ações penais, problema que pode ser superado com medidas de gestão que tornem mais ágil a tramitação dos processos e evitem a impunidade.
PIERPAOLO BOTINI
Advogado, é professor-doutor de direito penal da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005-2007)


Análise
Para defensores do privilégio, solução é aprimorar Judiciário
VAGUINALDO MARINHEIRO
DE SÃO PAULO

É fácil cair na tentação de culpar o foro privilegiado pela impunidade dos políticos. A expressão não ajuda sua defesa: por que teriam eles tal privilégio? Não deveriam todos ser iguais perante a lei?
Mas os apoiadores da "prerrogativa de foro em razão da função", termos que preferem, elencam vários argumentos a favor da regra que aparece nas constituições brasileiras desde 1891 e garante que detentores de determinados cargos só possam ser julgados por órgãos mais elevados do Judiciário:
1) Dificulta perseguições ou condenações por diferenças de opiniões ou políticas. Um adversário que conhecesse um juiz poderia, por exemplo, obter a condenação do Presidente da República ou de um ministro;
2) Acelera o processo. Alguém condenado diretamente no STF (Supremo Tribunal Federal) não pode usar do recurso de recorrer a outras instâncias para evitar ou retardar o cumprimento da pena;
3) Garante a ordem constitucional ao impedir que juízes de primeira instância julguem o presidente ou um ministro do Supremo;
4) Eleva a isenção e a justiça, uma vez que membros de órgãos superiores do Judiciário são, em tese, mais experientes e menos sujeitos a pressões externas.
Numa entrevista em 2006, a então presidente do STF, Ellen Grace, afirmou que o foro privilegiado poderia ser visto como uma desvantagem para o acusado, já que a impossibilidade de recorrer a cortes superiores significava que ele "têm uma única chance de defesa e uma única chance de absolvição".
Mas mesmo os defensores do privilégio veem problemas na situação atual.
Há no Brasil muitas pessoas/cargos com direito a ele. Além disso, o STF, por exemplo, não tem estrutura para funcionar como juízo de instrução penal, daí a enorme morosidade nos processos.
A solução, argumentam, não está no fim do foro, mas na melhora das condições de trabalho do Judiciário.
VAGUINALDO MARINHEIRO
É repórter especial da Folha

Análise
Foro especial se converteu em escudo protetor de malfeitores
CARLOS PEREIRA
MARCUS ANDRÉ MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até a emenda constitucional de 2001, o foro privilegiado era para muitos uma espécie de "licença para matar" ou "licença para roubar". Antes desse ano, cabia à Câmara aprovar a abertura de processo pelo STF, e na história republicana nunca o fez. Desde então, o ônus da (in)ação cabe ao tribunal.
Bandeira democrática, o foro especial buscou proteger agentes públicos e ocupantes de cargo eletivo de governantes autoritários. O constituinte de 1988 voltou-se para o passado -o regime militar e suas práticas. No entanto, o foro tem gerado efeitos perversos ao converter-se em escudo protetor de malfeitores.
Mais que isso, o foro tem atraído meliantes para a função política. Pesquisa acadêmica recente revelou que na Índia, nas eleições para o Lok Sabha (Câmara dos Representantes), em 2004, 1 em cada 4 candidatos eleitos tinha uma condenação na Justiça, proporção que atingiu 1 em cada 3 nas eleições de 2009.
No Brasil, 1 em cada 9 dos deputados federais eleitos em 2010 era réu em ações penais por suspeita de crimes diversos, dentre os quais estupro e homicídio.
Há casos de indivíduos que buscam a eleição e a reeleição como forma de garantir o foro privilegiado. Esse mecanismo dá a políticos um tratamento "político" e elimina os custos reputacionais de eventuais condenações em instâncias inferiores.
Em pesquisa recente, demonstramos que prefeitos envolvidos em crimes buscam reeleger-se como estratégia para ficar impunes, pois nos foros privilegiados as chances de punição são menores. Há perversão do mecanismo eleitoral que nas democracias deveria cumprir o papel de premiação do comportamento virtuoso e punição ao delituoso. O político autor de crimes sente-se atraído pela eleição, em vez de temê-la.
O ciclo se fecha quando consideramos que os incentivos à corrupção para prefeitos são tanto maiores quanto mais competitiva for a disputa: afinal, o desvio de recursos em uma eleição apertada pode garantir a vitória.
É preciso repensar o foro, restringindo sua aplicação a casos onde de fato produz resultados desejáveis.
CARLOS PEREIRA
É professor da FGV e pesquisador da Brookings Institution Fellow
MARCUS ANDRÉ MELO
É professor da Universidade Federal de Pernambuco


Link (assinantes Folha/UOL): http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/index-20120226.shtml

2 comentários:

  1. Grata pela transcrição. Documentos muito importantes para que todos conheçamos o funcionamento do Mais Poderoso dos Poderes da República. Está mais do que na hora de fazer um "upgrade" nesses procedimentos ultrapassados.

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  2. E o nobre ministro Gilmar Mendes, ao defender o foro privilegiado, quando rejeitou a denúncia de prática de trabalho escravo na fazenda do não menos nobre senador João Ribeiro, do Pará, felizmente voto vencido, sem a menor cerimônia, ainda teve a coragem de dizer que a Justiça de primeiro grau é que não funciona!
    Jorge Moacir

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