domingo, 2 de setembro de 2012

Crime de corrupção e o "ato de ofício": traduzindo o juridiquês

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No julgamento da Ação Penal 470 ("mensalão"), o Supremo Tribunal Federal está se debruçando sobre diversas questões penais e processuais que, doravante, serão invocadas em outros feitos tanto pelas defesas quanto pelo Ministério Público, como referência e precedentes.

Uma dessas teses, largamente debatida ao longo desta semana, é a análise dos elementos necessários à caracterização do crime de corrupção passiva. É indispensável, como alegaram as defesas, que o Ministério Público especifique o "ato de ofício", ou seja, saber o que exatamente o agente público iria fazer em troca do recebimento de propina?

Corrupção é a mera solicitação ou aceitação de vantagem indevida em razão do exercício de função pública. O agente público não precisa fazer mais nada além de solicitar ou aceitar uma vantagem que não lhe é devida e que pode ser econômica, moral, política, institucional ou de qualquer espécie.

Leia o que diz o Código Penal:

Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena– reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena- detenção, de três meses a um ano, ou multa.

A lei penal exige a indicação do ato de ofício, apenas, em duas hipóteses:
a) para aumento da pena (a chamada corrupção qualificada, do § 1º);
b) para diminuição da pena (a forma mais branda, chamada corrupção privilegiada, do § 2º).

O STF firmou entendimento no sentido de que não é preciso dizer o que o agente público faria em troca do recebimento da vantagem - o "ato de ofício".

A Suprema Corte, que já decidira assim antes, só reafirmou o óbvio, o que já está na lei, destruindo as teses criativas de defesa que podem até ter sido acolhidas pontualmente em instâncias inferiores.

Para a caracterização do crime, como se lê do Código Penal, a lei não exige - e jamais exigiu - que haja, sequer, a indicação de ato de ofício.

Não há necessidade de se receber, efetivamente, a vantagem - a mera solicitação já é suficiente para configurar o crime de corrupção passiva, sujeitando o agente público à pena de 2 a 12 anos de prisão.

A propósito, a certeza de que a identificação do "ato de ofício" é irrelevante vem reforçada no fato de que  sequer é preciso que o agente público já esteja no exercício da função, pois a solicitação ou recebimento de vantagem pode se dar antes de sua nomeação. A vantagem indevida, aliás, pode ser a própria nomeação, em troca do pacto de favores futuros.

Com a decisão, o STF restaura o sentido puro da lei penal, acaba com a elasticidade dada à interpretação do que não seja corrupção e resgata valores há muito mitigados no cenário nacional.

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Mensalão vai influenciar outras ações de corrupção

Procuradores e promotores avaliam que tendência do STF de condenar por corrupção sem exigir ato de ofício vai ajudar em ações na 1ª instância

FAUSTO MACEDO, EDUARDO KATTAH - O Estado de S.Paulo
 
A tendência do Supremo Tribunal Federal de "flexibilizar" o Direito Penal no julgamento do mensalão, ao condenar por corrupção sem exigir ato de ofício, vai refletir diretamente nas ações penais em curso na primeira instância da Justiça. A avaliação é de procuradores da República, promotores de Justiça e delegados da Polícia Federal que atuam no combate a desvios de recursos públicos.

"O entendimento do STF vai fortalecer grandemente o combate à corrupção no Brasil, agentes públicos vão ter noção de que é corrupção o fato de receberem vantagem indevida, mesmo que não façam nada formalmente, mesmo que não pratiquem ou assinem atos", alerta o procurador regional da República no Recife Wellington Cabral Saraiva, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Convenções Internacionais Contra a Corrupção do Ministério Público Federal.

O ato de ofício é produzido pelo administrador no exercício da função, mesmo quando não provocado. No caso do julgamento do mensalão, o ministro Luiz Fux asseverou: "Não se pratica um crime desses se não se tem autoridade. Esse potencial é que caracteriza o crime. Por isso a doutrina considera que o ato formal já caracteriza o ilícito. O ato de ofício é a prática possível e eventual que explica a solicitação da vantagem indevida ou seu oferecimento".
Saraiva considera que o Supremo "não está dando um cheque em branco para a polícia e para o Ministério Público, nem para o Judiciário; está apenas restabelecendo a força do Código Penal no capítulo da corrupção, conforme o artigo 317".

"A tese do ato de ofício que o STF construiu no julgamento da ação penal do ex-presidente Fernando Collor foi equivocada porque não corresponde ao requisito do artigo 317", afirma o procurador. "Não há nesse artigo descrição de que o agente público tem que praticar ato, a corrupção já se caracteriza quando (o agente) solicita a vantagem em razão da função. Essa é a questão-chave, o STF está resgatando a interpretação tradicional."

Ele prevê que a decisão do STF vai ter um reflexo não só na primeira instância judicial, mas também na administração pública. "Os membros das comissões de licitação, por exemplo, sabem agora que o enquadramento por corrupção poderá ocorrer porque receberam dinheiro, mesmo sem ter subscrito nenhum ato que favoreça determinada empresa. Parece detalhe técnico, mas vai ter uma força enorme em todo o País quando o Ministério Público começar a processar com base nessa nova interpretação, que sempre foi a correta."

A flexibilização foi contestada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado pelo STF. "Os ministros caminham numa linha de profunda flexibilização, tanto do Direito Penal quanto do processo penal, afastando garantias que são caríssimas à própria democracia."

Para o delegado da PF Milton Fornazari Junior, mestre em Direito Penal (PUC), "não há que se falar em flexibilidade de presunção da inocência, pois o entendimento dos ministros do STF não ultrapassa os limites do tipo penal, que é a maior garantia do cidadão, reflexo do princípio da legalidade".
Vantagem. "O tipo penal da corrupção passiva não exige a prova da prática específica do ato de ofício pelo acusado", diz o delegado. "Essa prova só será relevante para que o juiz decida se aumenta ou não a pena de prisão em um terço, conforme o artigo 317. Para que se conclua que o crime existiu e o sujeito possa ser responsabilizado por ele, basta a prova de que solicitou e/ou recebeu vantagem indevida."

O promotor de Defesa do Patrimônio Público de Minas, Eduardo Nepomuceno, disse que não há flexibilização na condenação do petista. "O deputado alegou: 'Minha mulher recebeu dinheiro do PT, foi lá sacar para pagar a conta'. Essa alegação da defesa é a defesa que tem de provar. Não é a acusação que tem de fazer prova negativa."

O procurador José Carlos Cosenzo, do Ministério Público de São Paulo, adverte que o Supremo "está deixando bem claro que acabou essa história de que precisa de ato de ofício para condenar". "Não vejo risco às garantias. Os juízes vão se sentir mais à vontade. Atos de corrupção são complexos. A partir da decisão do STF, a prova vai ser muito melhor aferida, de forma mais abrangente, examinada com mais amplitude pelos juízes."
Para Cosenzo, "o que o STF está dizendo é que aquele que domina o fato tem condições claras de sumir com provas, maquiar, dificultar. Maior elasticidade no exame da prova não significa prejuízo a quem alega inocência".

A procuradora regional da República em São Paulo, Janice Ascari, sustenta que "para a caracterização do crime a lei jamais exigiu que haja, sequer, a indicação de ato de ofício". "O STF, que já decidira assim antes, só reafirmou o óbvio, o que já está na lei, destruindo as teses criativas de defesa que podem até ter sido acolhidas pontualmente em instâncias inferiores."

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mensalao-vai-influenciar-outras-acoes-de-corrupcao-,924737,0.htm


STF define tratamento mais rigoroso contra a corrupção

Iniciado há um mês, o julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) já estabeleceu teses jurídicas que deverão levar à condenação da maioria dos réus do processo e sugerem que casos de corrupção terão um tratamento mais rigoroso no Judiciário daqui para frente.

A importância do caso faz com que as decisões passem a ser referência para toda a Justiça, já que essa é uma das raras vezes em que o Supremo, preponderantemente um tribunal constitucional, analisa fatos e provas penais.

Os ministros do Supremo julgaram até agora apenas o primeiro dos sete capítulos do mensalão. A conclusão é que o esquema de corrupção foi alimentado com dinheiro público, vindo da Câmara dos Deputados e principalmente do Banco do Brasil.

Mais do que isso, os ministros derrubaram boa parte das teses apresentadas pela defesa, fixando a base para futuras condenações.

Entre elas a de que é necessária a existência do chamado "ato de ofício" para que se configurasse a corrupção. A maioria dos ministros entendeu que basta o recebimento de propina para haver o crime, mesmo que o servidor não tenha praticado nenhum ato funcional em troca.

"Basta que o agente público que recebe a vantagem indevida tenha o poder de praticar atos de ofício", disse a ministra Rosa Weber.

Em outro dos pontos, só dois ministros aceitaram até agora um dos argumentos centrais dos réus, o de que o esquema se resumiu apenas a gasto eleitoral não declarado à Justiça --o caixa dois.

Segundo a acusação, o dinheiro foi usado para compra de apoio legislativo ao governo Lula em 2003 e 2004.

Os entendimentos adotados pelo STF são desfavoráveis aos réus políticos --integrantes de partidos governistas que receberam dinheiro, como Valdemar Costa Neto (PR), Pedro Henry (PP) e Roberto Jefferson (PTB), que revelou o esquema em entrevista à Folha em 2005.
Eles argumentaram que receberam dinheiro para gastos eleitorais ou partidários.

Mas para o ministro Celso de Mello, quando existe a corrupção, é "irrelevante" a destinação do dinheiro --tanto faz se foi usado "para satisfazer necessidades pessoais", "solver dívidas de campanhas" ou para "atos de benemerência".

Outra tese da defesa que deve ser derrotada --quatro ministros já se manifestaram contra-- é a de que só devem ser consideradas válidas provas colhidas no processo judicial, quando há amplo espaço para a defesa dos réus.

A maior parte dos ministros indicou até agora que provas obtidas em CPIs, inquéritos policiais, reportagens de jornais e depoimentos só não valem quando constituírem o único fundamento da acusação. Dentro de um contexto, dão força ao processo criminal.

"Os indícios não merecem apoteose maior, mas não merecem a excomunhão. Não podemos alijar os indícios. [...] É uma visão conjunta", argumentou Marco Aurélio Mello.

Por fim, a maioria dos ministros também indicou que há crime de lavagem de dinheiro (tentativa de ocultar a origem de um recurso ilícito) quando um beneficiário envia outra pessoa para sacar o dinheiro em seu lugar.

O deputado João Paulo Cunha (PT) e o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Piz-zolato foram condenados por isso. Há outros réus que receberam dinheiro da mesma forma.

(FELIPE SELIGMAN, FLÁVIO FERREIRA, MÁRCIO FALCÃO, MATHEUS LEITÃO e RUBENS VALENTE)
http://www1.folha.uol.com.br/poder/1147099-stf-define-tratamento-mais-rigoroso-contra-a-corrupcao.shtml


2 comentários:

  1. Olá Doutora,
    Gostaria de parabeniza-la pela excelente entrevista sobre o julgamento do mensalão na RedeTV, assisti dia 18/09.

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  2. Sou professora universitária federal com Mestrado em História e Doutorado em Sociologia e realizei durante 17 anos meu trabalho acadêmico no curso de História da Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba. Em todo esse período sofri assédio moral, discriminações, humilhações, alijamentos com impedimento em desempenhar minha profissão com o potencial que possuo. Denunciei inúmeras vezes no âmbito da Universidade e não tive resposta. Denunciei na Secretaria dos Direitos Humanos e no MEC em Brasília e não obtive nada. A quem recorrer? Como pode professores doutores, formadores de opinião e profissionais para o mercado de trabalho no Brasil realizar atos de algozes? A impunidade reina. No MEC um senhor chamado JORGE MESSIAS por telefone me disse que conhecia o reitor dessa IFES e que falaria com ele sobre os fatos que denunciei documentalmente. Um outro, chamado, ADONIZETE DANTAS foi muito grosseiro me dizendo que tinha mais o que fazer e desligou o telefone na minha cara. O nº do processo é 027209/2012-62. Me ajude. Atenciosamente. Profª Liège Freitas.

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