sábado, 12 de março de 2011

Mulher, imprensa, machismo e colaboração premiada



Pesquisando sobre o instituto da "delação premiada", que prefiro chamar de "colaboração premiada", deparei-me com o provável primeiro caso de que se tem notícia e que aconteceu na Inglaterra, por volta de 1775.

A primeira pessoa que decidiu colaborar com a Justiça, contando toda a verdade sobre os fatos, foi uma mulher. O episódio ficou conhecido como o Caso Rudd.

Robert e Daniel Perreau eram irmãos gêmeos, de elevada classe social. Entretanto, eram malandros e não queriam nada com o trabalho sério e dignificante, estavam sempre envolvidos em apostas e jogo. Criaram um forte esquema de falsificação (forgery) de papéis públicos (os bonds, letras do Tesouro) para ganhar dinheiro fácil.

Daniel Perreau, sem ser casado, mantinha um relacionamento com Margaret Caroline Rudd, que teve filhos com ele. Margaret foi envolvida pelo amante e seu irmão e acabou, também, acusada das fraudes. No processo, os irmãos Perreau declararam-se inocentes e, com a covardia própria dos canalhas, jamais admitiram os próprios erros, fazendo-se de vítimas e atribuindo a Margaret Rudd toda a culpa, acusando-a de ser a grande mentora e estrategista de todos os crimes.

A imprensa inglesa da época retratava Margaret Caroline Rudd como uma cortesã fútil, de moral duvidosa,  interesseira e trambiqueira. Os irmãos Perreau, de outro lado, eram apontados como pessoas finas e elegantes, de boa família, apenas ‘extravagantes’. O Caso Rudd foi também um dos primeiros escândalos, senão o primeiro, em que os réus utilizaram-se largamente dos periódicos para jogar a culpa uns nos outros e manipular a opinião pública.

Rudd, sentindo-se injustiçada por ter sido apontada pelos irmãos como a única culpada, preocupada com os filhos (que também eram de Daniel) e desesperada pela perspectiva do cadafalso,  fez um acordo com a promotoria e contou tudo sobre o esquema, em detalhes, recebendo em troca o perdão dos crimes e a proteção do Estado.

A partir daí, as pessoas que queriam colaborar com a Justiça não só confessando a própria participação mas também propiciando que a conduta de comparsas e o destino do produto do crime ficassem detalhados,  passaram a ser chamadas de crown witness, a testemunha da Coroa.

Margaret Rudd foi perdoada e libertada. Os irmãos Robert e Daniel Perreau foram enforcados em 17 de janeiro de 1776.

Fontes:
Criminal Biographer: Boswell and Margaret Caroline Rudd
Gordon Turnbull
Studies in English Literature, 1500-1900
Vol. 26, No. 3, Restoration and Eighteenth Century (Summer, 1986), pp. 511-535

The Perreaus and Mrs. Rudd: Forgery and Betrayal in Eighteenth-Century London
Donna T. Andrew e Randall McGovern
University of California Press; 1 edition (October 1, 2001)

2 comentários:

  1. Esses lindos irmãos mereceram a fôrca, e convenhamos, é antiga essa relação de um Daniel com a imprensa.
    Belo texto.

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  2. Fábio de Oliveira Ribeiro3 de dezembro de 2014 às 22:03

    Ao narrar a primeira revolta de escravos em Roma, Tito Lívio (Ab Urbe Condita Libri) afirma que para a felicidade de patrícios e plebeus a sedição foi denunciada “...por dois de seus cúmplices, os culpados foram detidos e castigados.” Segundo Tito Lívio os delatores "... receberam do erário público dez mil asses pesados cada um, o que representava na época uma fortuna, e ainda a liberdade, como prêmio.” Durante e logo após a sedição as relações entre patrícios e plebeus se pacificariam por algum tempo. Afinal, os escravos representavam um perigo comum para todos os romanos livres, obrigando patrícios e plebeus a se unirem contra este inimigo comum interno.

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